A experiência física corresponde à concepção clássica de experiência: consiste em agir sobre os objetos propriamente ditos. Por exemplo: levantando corpos sólidos, a criança perceberá, por experiência física, a diversidade dos pesos, sua relação com o volume, densidade, etc. A experiência lógico-matemática, ao contrário, consiste na ação sobre os objetos fazendo-se, porém, abstração dos conhecimentos adquiridos através dela. Nesse caso, a ação passa a conferir atributos aos objetos que não possuíam por si mesmos, e a experiência diz respeito a relação entre tais atributos. Nesse sentido o conhecimento é abstraído da ação como tal e não das propriedades físicas do objeto.

É por esse fato, nos diz Piaget, que as ações lógico-matemáticas do sujeito podem, num dado momento, dispensar aplicação aos objetos físicos, interiorizando-se em operações simbolicamente manipuláveis.

Por ser a ação humana a ação de um organismo que faz parte de um universo físico explica-se porque as combinações e operações ilimitadas antecipam freqüentemente a própria experiência e por que há acordo, quando ambas se encontram, entre as propriedades dos objetos e as operações do sujeito.

A essa altura temos um sujeito que age, representa, opera não só com relações reais, mas também com relações possíveis, que ultrapassam o real. Ou seja, esse é o famoso momento ao qual Piaget sempre se refere, aquele em que a inteligência humana ultrapassa o real para se projetar no mundo do possível, do desconhecido, do ainda não vivido.

Em sua forma mais geral, as estruturas operatórias da inteligência são sistemas de transformações que conservam o sistema a título de totalidade invariante. Ora, essa definição, nos diz Piaget, poderia ser a de todo organismo vivo, pois suas duas propriedades fundamentais são a de ser sede de interações múltiplas (transformações), mas que não alteram a forma do conjunto (conservação) mantendo um certo número de relações invariantes.

Essa conservação do todo através de transformações pressupõe uma regularização que envolve um jogo de compensações ou de correções reguladoras. Esse mecanismo regulador corresponde, então, à reversibilidade das operações, na forma de inversões ou de reciprocidades que permitem ao sujeito refazer o percurso das transformações sem ser arrastado no fluxo irreversível da entropia crescente em duplo sentido: da termodinâmica para a vida e dos sistemas de informação para o conhecimento.

Assim, para Piaget, conhecer não é simplesmente contemplar, imaginar ou representar o objeto para transformá-lo e para descobrir as leis que regem sua transformação.

Quanto à famosa teoria dos períodos e dos estádios da inteligência, ela concerne a inteligência, ou ainda o que Piaget designa como sujeito epistêmico (o ser humano considerado em sua conquista progressiva e inacabada do conhecimento e da razão) mas não em todo rigor e em toda sutileza, aos sujeitos particulares tais como progridem no decorrer de sua infância e sua adolescência.

Os trabalhos de Piaget e de seus seguidores nos mostram que um mesmo sujeito pode situar-se na mesma idade em níveis cognitivos sensivelmente diferentes segundo a natureza da tarefa que desempenha. A teoria dos estádios (que costumo chamar de estadismo) tal como é ensinada ainda hoje em nossas universidades foi ultrapassada e superada por Piaget, pelo menos dez anos antes de seu falecimento, e a questão da equilibração das estruturas cognitivas e a abertura para o campo dos possíveis passou a ocupar suas últimas investigações. Como afirma o autor:

...todo indivíduo encontra-se na posse de dois grandes sistemas cognitivos, aliás complementares: o sistema presentativo fechado, de esquemas e estruturas estáveis, que serve essencialmente para "compreender" o real, e o sistema de procedimento, em mobilidade contínua, que serve para "ter êxito", para satisfazer necessidades portanto, através de invenções ou transferências de processos. É preciso observar então que o primeiro desses sistemas caracteriza o sujeito "epistêmico", o segundo é relativo ao sujeito psicológico, sendo as "necessidades" característica de sujeitos individuais e das lacunas que eles podem experimentar momentaneamente, diferindo da incompletude descoberta em uma estrutura quando de sua tematização. Em contrapartida, a atualização de todo possível conduz a um esquema presentativo, uma vez concluída a utilização dos esquemas de procedimento que a ele conduziram, daí a complementaridade dos dois sistemas. (1985, p. 9)

Passar do mundo real para o mundo do possível significa se aventurar no mundo da poesia, da música, do mito e do conhecimento científico. Um possível torna-se possível na medida em que é concebido como tal pelo sujeito, além de ser "entendido" em suas condições de atualização. Cada possível é o resultado de um acontecimento que gerou uma nova abertura, no sentido de um novo possível , com sua atualização dando passagem, em seguida, a novas aberturas, a outras possibilidades, etc.