2. Promover interatividade 2

Promover interatividade 2

Na sala de aula presencial e online, o professor precisa enfrentar alguns desafios fundamentais:

  • Favorecer a expressão de cada um e a confrontação entre os parceiros.
  • Potenciar a sala de aula como espaço democrático onde se valoriza o aluno em sua individualidade e condição sociocultural.
  • Suscitar o confronto de saberes, significados, desejos, vivências e experiências.
  • Garantir liberdade e multiplicidade ao falar e ao atuar, como condição sine qua non da aprendizagem, da socialização, enfim, da educação.

O professor é o personagem decisivo no enfrentamento desses desafios. Para isso, é preciso encarar dois problemas básicos. O primeiro problema é que professores e alunos estão constantemente em terrenos culturais diferentes e têm dificuldades consideráveis em erguer e atravessar pontos de vista diferentes. O segundo é que a adoção de uma nova postura, que facilite o confronto mencionado, obriga o docente a abandonar métodos, crenças e comportamentos tradicionais.

O primeiro problema remete à formação do professor na "cultura da escrita". Sua relação solitária com o livro deu origem ao perfil de distanciamento, e não de participação e bidirecionalidade. O livro estabeleceu o predomínio da interpretação particular, e não o entendimento coletivo baseado na argumentação. Deste primeiro problema surge o segundo problema: a dificuldade de romper com métodos, crenças e comportamentos cristalizados.

Um alento: a cibercultura favorece a oportunidade de disseminar um outro modo comunicação e de pensamento. Para enfrentar os desafios, o professor precisa ficar atento às interações existentes e lançar mão dos fundamentos da interatividade. Mesmo sabendo que tem a seu favor o espírito do tempo, ele precisa levar em conta três sugestões de atuação muito valiosas.

  1. A dança dos gêranos: pequenos grupos interativos
  2. Desbloquear o corpo, a fala e a atuação dos alunos e do professor
  3. Prestar atenção nas relações de força e promover democracia

1. A dança dos gêranos: pequenos grupos interativos

Você leu sobre a dança do gêranos no final da Unidade 2. A sugestão aqui é que o professor promova interatividade e aprendizagem operando com pequenos grupos. Estes podem se formar a partir dos "nichos", das "tribos", enfim, da acomodação orgânica das afinidades, das redes flexíveis de linguagem. Mas podem se formar também segundo o ponto de vista crítico da proposição do professor - ou numa mescla de tudo isso.

Os pequenos grupos possibilitam a confrontação das subjetividades. Há maior superfície de contato entre os participantes e destes com o professor. Além disso, os pequenos grupos permitem criar disposições rizomáticas, hipertextuais que fazem da sala de aula um mapa aberto de conexões, de heterogeneidade e de mobilidade dos centros. Este mapa se organiza de modo fractal, por proximidade, por vizinhança, em constante construção e renegociação num permanente jogo para os autores envolvidos.

O professor não é o centro da cena e não deixa a peteca cair. Ele promove a criatividade partilhada, colaborativa, de modo que cada participante se reconfigura a si mesmo quando interage com os outros em momentos de debate e argumentação, seja em cada grupo, seja no coletivo. Ele promove a "sinergia de competências".

Pode propor projetos coletivos definidos e avaliados coletivamente. Os alunos não realizam tais projetos para receber nota do professor, mas sim pela produção do trabalho criativo. O aluno recebe de seus colegas comentários críticos, sugestões, solicitações, enfim, confrontações. Os modos tradicionais de avaliação podem permanecer, mas coexistindo com a ação avaliativa contínua e não circunstancial, que revele todo o processo e não apenas de seu produto.

Para propor atividades com pequenos grupos, o professor pode:

  • Interferir na cadeia de aprendizagem de forma leve, bem humorada.
  • Propor projetos coletivos que sejam definidos e avaliados coletivamente.
  • Propor ação avaliativa contínua e não circunstancial, que revele o processo e não apenas a produção.

2. Desbloquear o corpo, a fala e a atuação dos alunos e do professor

Na confrontação coletiva nem sempre acontecem as trocas construtivas. Uma das explicações para isso são os bloqueios que comprometem a expressão livre e plural. Por exemplo: timidez, dificuldade pessoal de se expressar em público e dificuldade pessoal de atuar coletivamente.

Para promover o desbloqueio, tomamos como referência a metodologia formulada por Augusto Boal (1980), o criador do "teatro do oprimido". Nos anos 1960/70, Boal fazia parte da mobilização "participacionista" e inventou um método para a converter o espectador em ator. Essa metodologia serve para desbloquear o espectador para que participe da ação dramática e se prepare para agir em seu meio social.

A metodologia do teatro do oprimido pode inspirar o professor que deseja promover a conversão do aluno-espectador em aluno-autor. O professor pode considerar, como Boal, que o espetáculo é uma preparação para a ação. Para isso o próprio professor precisa se preparar. Para "converter o aluno-espectador", o professor pode lançar mão das sugestões de Boal não exatamente como num curso de teatro, mas para inspirar as proposições de aprendizagem. O "esquema geral" de sugestões está dividido em quatro etapas. As três primeiras reúnem as sugestões mais significativas para o professor:

  • Primeira etapa. Conhecimento do corpo: conhecer o próprio corpo, suas limitações e suas possibilidades, suas deformações sociais e suas possibilidades de recuperação. Existe uma enorme quantidade de exercícios que se podem praticar, todos com o objetivo de fazer com que o participante se torne cada vez mais consciente do seu corpo.
  • Segunda etapa. Tornar o corpo expressivo: se expressar unicamente pelo corpo, abandonando outras formas de expressão mais usuais e cotidianas. A comunicação por meio da palavra colabora para o subdesenvolvimento da capacidade de expressão corporal. Uma série de 'jogos' pode ajudar os participantes a desenvolverem os recursos do corpo, como forma de expressão.
  • Terceira etapa. Teatro como linguagem. Esta etapa se divide em três partes, significando cada uma um grau diferente e progressivo de participação direta do espectador no espetáculo. Aqui o objetivo é fazer com que o espectador se disponha a intervir na ação, abandonando sua condição de objeto e assumindo plenamente o papel sujeito. As duas etapas anteriores são preparatórias e estão centradas no trabalho do participante com seu próprio corpo. Esta nova etapa enfatiza o tema a ser discutido, e promove o passo do espectador à ação verdadeira.

O professor pode aprender com Boal e em sala de aula desbloquear corpos, falas e participações

  • Preparar o sujeito para a ação na confrontação coletiva
  • Unir palco e platéia engendrando equipes de co-criação do roteiro e da encenação. Docente e discentes planejam e executam juntos. O professor não perde sua autoria e tampouco sua autoridade.
  • Proporcionar a conversão de expectadores em atores, bidirecionalidade e hibridação

3. Prestar atenção nas relações de força e promover democracia

Os professores já identificaram a forte razão que impede as trocas construtivas: as relações de força que se instauram no grupo. Se eles quiserem desenvolver sua autoria em uma sala de aula democrática poderão encontrar sugestões para isso no estudo do pesquisador Charles Ess (1994) sobre a possibilidade de democracia no software.

Ess faz algumas sugestões aos designers de software para a democratização necessária a seus produtos. Ele toma por base princípios da "teoria da ação comunicativa" de Jürgen Habermas. São regras ou princípios éticos que podem garantir a ação comunicacional livre, plural e colaborativa:

  • Todo sujeito com a competência para falar e atuar tem a permissão para tomar parte num discurso
  • Todo mundo tem a permissão para questionar qualquer assertiva que seja
  • Todos têm a permissão de introduzir qualquer assertiva que seja dentro de um discurso
  • Todos têm a permissão de expressar suas atitudes, desejos e necessidades
  • Nenhum falante deve ser privado, seja por coerção, interna ou externa, de exercer estes direitos

Charles Ess acredita que o designer de software pode se valer das teorias de Habermas em seu trabalho. Ele acredita que a ética da comunicação proposta pelo filósofo pode ser traduzida para o mundo do computador e oferece as seguintes sugestões:

  • Facilitar o discurso entre uma diversidade de comunidades de base sobre diferentes normas e ainda preservar diferenças individuais e culturais.
  • Levar à aquisição da habilidade para questionar qualquer afirmação que seja, e para introduzir qualquer afirmação que seja.
  • Gravar e rastrear qualquer afirmativa e as perguntas que elas originarem, com o objetivo de documentá-las. Todas as afirmativas e todas as questões levantadas existiriam como nós de hipertextos individuais linkados uns aos outros.
  • Estar livre de outras formas de coerção social, como, por exemplo, sugestões sutis, porém poderosas de hierarquia, status, gênero e outros.

Essas sugestões são fundamentais para o professor. Primeiro, porque evidenciam as bases democráticas da sala de aula interativa. Segundo, porque a partir delas o professor pode estabelecer um compromisso com a educação entendida como socialização da democracia em nosso tempo.

A sala de aula como espaço democrático onde se reconhece e se valoriza o interlocutor em sua inteligência e posicionamento sóciocultural. Eis algumas sugestões para criação desse ambiente:

  • Suscitar o confronto de saberes de significados, de desejos, de vivências, de experiências, garantindo liberdade e multiplicidade ao falar e ao atuar.
  • Adotar uma postura visando superar as diferenças culturais existentes em sala de aula.
  • Promover um ambiente de liberdade, de pluralidade, que facilite a argumentação e a livre expressão.
  • Criar oportunidades para que os participantes tematizem afirmações válidas e tentem reformulá-las ou criticá-las por meio de argumentos.
  • Respeitar as regras ou princípios éticos que garantem a comunicação em sala de aula.