Livro 3 - Promover interatividade na educação presencial e online

Site: Sala de Aula Interativa
Curso: Projeto: Formação de professores para docência online
Livro: Livro 3 - Promover interatividade na educação presencial e online
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Data: terça-feira, 3 dez 2024, 14:13

1. Promover interatividade 1

Promover interatividade 1

O designer de software é o profissional que cria a arquitetura de um programa de computador. E o webdesigner é o criador do layout de páginas da Internet, é o arquiteto das informações e das navegações. Esses profissionais podem utilizar textos, ilustrações, som, animação, cenários em terceira dimensão, bancos de dados e outros recursos. Muitas vezes o trabalho desses profissionais resulta em sites ou sistemas que permitem alguma interatividade. Ambos preparam o ambiente para o que usuário possa navegar, receber, emitir, trocar, comunicar, co-criar, intervir na mensagem e nos processos.

O que o professor teria a aprender com esses dois profissionais, que, no contexto da exclusão digital fazem parte de um mundo distante da realidade da escola e da universidade?

O professor pode buscar nas práticas do webdesigner e do designer de software sugestões para o tratamento complexo da informação e da comunicação. Esse aprendizado é valioso para o professor porque contribui para redefinir a comunicação com os conteúdos de aprendizagem entre aprendizes, e inspira o redimensionamento de sua autoria.

Em sala de aula o professor pode tratar os conteúdos de aprendizagem inspirado na construção de uma rede de conexões, e não de uma rota de encadeamentos. Pode arquitetar territórios a explorar, um conjunto de campos abertos à imersão, à interferência. Pode disponibilizar teias e criar motivações para o envolvimento do aluno. Em lugar de transmitir a informação, ele pode tratá-la de modo a engendrar a experiência do conhecimento, uma vez que a aprendizagem se dá na exploração (ter a experiência) realizada pelos aprendizes e não a partir da récita do professor.

Enfatizar estes profissionais da informática e da Internet, não significa dizer que só se promove interatividade na sala de aula informatizada e conectada à Internet. Como o "parangolé", obra de arte participacionista, o demonstra, a interatividade não depende do computador e da Internet. O professor pode disponibilizar os conteúdos de aprendizagem à maneira do parangolé, que para Hélio Oiticica (1986) é uma arquitetura que aspira ao labirinto de possibilidades: proposição da participação ativa (sensório-corporal e semântica) dos alunos. Para o artista, o parangolé não é para o espectador contemplar, mas para o participador completar, interagir. É solicitação à "completação" dos significados propostos e criação de novos significados.

Seja inspirado no software e no site interativos ou no parangolé do Oiticica, o professor pode disseminar um outro modo de pensamento e engendrar uma nova dinâmica de aprendizagem. A seguir, apresentamos cinco dicas do design de software, para que o professor analise e reflita em como elas podem contribuir para a sua prática docente:

  • Explorar as vantagens do hipertexto
  • Ajudar o usuário a não se perder e ao mesmo tempo não impedi-lo de perder-se
  • Empregar a retórica tradicional sem esquecer a gramática do hipertexto
  • Tomar a comunicação como espaço de diversidade e não de uniformidade
  • Escolher a interface adequada a cada aplicação

1. Explorar as vantagens do hipertexto

Como vimos, o hipertexto é uma forma de apresentar ou organizar informações de uma forma não-linear. O usuário tem a liberdade de seguir o caminho que quiser. Entre as vantagens do hipertexto, a pesquisadora Patrícia Ann-Carlson (1988) destaca:

  • Flexibilidade - informações são dispostas em diferentes caminhos de entendimento, de modo que contemple múltiplos pontos de vista.
  • Funcionalidade - por exemplo, atravessar rapidamente grandes quantidades de dados, marcando o texto em níveis diferentes para cada interesse particular do usuário.
  • Síntese de conhecimento - o incremento do potencial para a síntese de conhecimento supõe uma melhor representação da disposição dos conteúdos de aprendizagem, das informações, das conexões e da sinalética.
  • Conectividade - os nós em caminhos diferentes, em vários atalhos reconectáveis a qualquer instante por mecanismos de recuperação.

Hélène David (1985) explica que a criação de um hipertexto envolve compor um roteiro de entradas e percursos múltiplos, em que é preciso:

  • Prever um grupo de situações, as diferentes seqüências que podem suceder a cada uma delas;
  • Conceber, para cada situação de partida, intersituação e situação de chegada, uma verdadeira mise en scène de formulações.

Na sala de aula, o hipertexto supõe o coletivo conectado, mas não deixa de contemplar o faça-você-mesmo de cada aluno. Por exemplo, ao tomar contato com uma informação, o aluno elabora sua versão. Essa versão será confrontada com as diferentes versões elaboradas por outros alunos. A partir desse confronto pode ocorrer a construção do conhecimento.

Para isso, o professor pode colocar à disposição de seus alunos diversos enfoques sobre determinado assunto, em fontes diversas e acessíveis - livros, jornais, vídeos, Internet, CD-ROM etc. O contato com a diversidade de fontes pode facilitar a explicitação das diversas abordagens e os cruzamentos das opiniões em sala de aula. O professor cuida de dar funcionalidade à plurissignificação: garante a fartura de dados e os dispõe de modo a criar percursos possíveis.

A estratégia do hipertexto em sala de aula não requer necessariamente o uso de computadores e Internet. O professor pode:

  • Trazer aos alunos materiais que tragam informações sobre o seu conteúdo, em diversos enfoques, a partir de diferentes fontes, interconectáveis e acessíveis, sejam livros, jornais, vídeos, encenações, internet, CD-ROM.
  • Estimular os alunos a identificarem as diversas abordagens e o cruzamento das opiniões.
  • Costurar os "nós" em caminhos diferentes, prevendo situações de partida, situações intermediárias e de chegada.

2. Incluir um mecanismo que ajude o usuário a não se perder, mas que ao mesmo tempo não o impeça de perder-se

No projeto de páginas da Internet ou em softwares, os profissionais costumam organizar as informações em múltiplas camadas, ligadas umas às outras por meio de links, sejam em forma de palavras ou imagens (os ícones). Essas técnicas espaço-visuais visam tornar o conteúdo mais acessível. Para elaborar um design que atenda às necessidades do usuário, Ann-Carlson recomenda que os profissionais prestem atenção a:

  • O que o conteúdo diz: o designer deve eliminar qualquer conteúdo incorreto, ambíguo, arcaico, antigo, pois isso diminui a efetividade da comunicação com o usuário.
  • Representação da informação: aqui a preocupação é com a organização e armazenamento da informação. É importante buscar uma lógica interna coerente e um seccionamento adequado.
  • Pontos de acesso às informações: o objetivo desta recomendação é evitar pontos de acesso confusos e insuficientes, causados por mapeamento inadequado da informação.

Há também o jogo curioso do se perder e não se perder. O professor pode pôr em prática essa recomendação na hora de organizar as informações a serem exploradas pelo aluno. Basicamente, são dois tipos de cuidados que o professor precisará ter: 1. a informação referente à aprendizagem do conteúdo, que pode ser múltipla e flexível; 2. a informação sobre como lidar com essa informação: os sinais dos caminhos possíveis a percorrer.

Ao sinalizar as informações, o professor possibilita o acesso fácil aos dados e enredos do conteúdo. É uma forma de evitar que o aluno se perca na proposição do professor, mas não impede que ele, ao adentrar os caminhos propostos, experimente o labirinto, experimente o pensamento complexo que trabalha no acaso e na incerteza e aí aprende a não sucumbir.

A sinalização é também uma forma de garantir a motivação à participação. Estimular o aluno supõe satisfazê-lo, contemplar seu interesse, o que supõe efetividade na comunicação.

Para proporcionar aos alunos uma exploração às informações e aos conteúdos de suas aulas, sugerimos ao professor algumas ações:

  • Convidar o aluno a explorar os conteúdos de aprendizagem. Estar atento que a comunicação do professor é a base para a motivação para a aprendizagem.
  • Orientar a exploração por meio de sinais que permitam ao aluno perder-se e não se perder.
  • Levar em conta o perfil comunicacional do novo espectador:
  • Tem uma maior destreza perceptiva, pode a ler no hipertexto
  • Sua leitura é do tipo cinestésico: presta atenção a muitos quadros e movimentos simultâneos
  • Tem disposição ao diálogo como imersão, navegação, exploração, conversação.

3. Empregar a retórica tradicional sem esquecer a gramática do hipertexto

O professor precisará conjugar linearidade e hipertexto. O hipertexto apresenta características próprias e vantagens inquestionáveis - flexibilidade e funcionalidade, só para citar duas. É um recurso essencialmente interativo, que vem potenciar a figura e o ofício do professor, ao invés de roubar sua autoria em tecnologias e estratégias mirabolantes. Todavia, a utilização do hipertexto não significa e não pode significar a substituição do modo tradicional de ler por outro.

Assim, a sugestão aqui é utilizar as vantagens tradicionais e hipertextuais de apresentar a informação:

  • No formato tradicional, que considera a frase e o parágrafo como unidades básicas da redação. Dois elementos desse sistema são um bom leitor e o texto estruturado.
  • No formato hipertextual, que leva em conta não apenas o texto, mas a forma como será exibido na tela em teias de conexões.

Na sala de aula, o professor pode adotar a sugestão que Ann-Carlson faz ao designer de software. Ela recomenda desconstruir o texto que está no papel para disponibilizá-lo numa coleção de fragmentos incrustados, exuberantemente conectados. Para o professor, essa estratégia pode ser traduzida como um investimento no meio de exibição. Por exemplo, o professor pode usar estratégias sensoriais e equipamentos, naturalmente disponibilizados em um modelo hipertextual.

Mesmo que adote essa dinâmica, o professor pode garantir a presença do modo tradicional de ler: um bom leitor e um texto estruturado seqüencialmente em páginas de papel ou na tela do computador.

O educador atento sabe que educar em nosso tempo supõe a construção de cidadãos que saibam ler hoje tanto os periódicos como noticiários de televisão, games, videoclip, sites e ambientes online.

Para investir na apresentação de seus conteúdos de forma tanto tradicional (livresca, pedagogia da transmissão) quanto hipertextual, o professor pode:

  • Dar um tratamento específico à apresentação dos conteúdos de modo a torná-los mais interessantes. Para isso, observar questões de desenho, arquitetura de tela, interface do usuário, dinâmicas de grupo, recursos audiovisuais, etc.
  • Trabalhar com texto, vídeo, tv, teatro, palestra, objetos de aprendizagem em teias de links que abrem para conteúdos e espaços de troca e colaboração.

4. Tomar a comunicação como espaço de diversidade e não de uniformidade

Esta sugestão se origina em uma tarefa típica do planejamento de um site ou software: levar em conta as diferenças entre as pessoas que vão usar o produto. Patricia Ann-Carlson recomenda ao designer avaliar as necessidades dos usuários, já que uma página ou sistema é acessado por muitas pessoas. É uma forma de elaborar um produto que leve em consideração os diferentes interesses da comunidade de usuários.

É preciso reconhecer a existência de diferenças individuais entre os alunos e seus diferentes processos cognitivos. As diferenças individuais e grupais fazem da sala de aula um recorte do social múltiplo - o social e a sala de aula no sentido "hologramático". (Hologramático significa que não apenas a parte está no todo, como o todo está na parte.)

Muitas vezes o professor pode até reconhecer essas diferenças, mas não consegue modificar sua prática pedagógica. O motivo seria a cristalização do modelo escola-fábrica, que distribui em massa produtos indiferenciados. Pode ser também pelo fato de que o professor tenha sido criado na cultura dos meios de comunicação unidirecionais e naturalizou a prática da emissão para a massa indiferenciada e passiva.

É importante lembrar que as diferenças possibilitam as interações. O professor pode inspirar-se em lógicas tão distintas, mas que lidam com a idéia da diversidade. Por exemplo, pode aprender com a visão do mercado - sem jamais considerar educação e alunos como produto e consumidores -- que traça o mapa do consumo em "nichos". Pode também se basear no conceito de "neotribalismo", de Maffesoli (1987), que explica o social como redes existenciais definidas por referenciais como o corpo, o imaginário, o desejo, as paixões, os interesses ligados a estilos de vida.

Para contemplar a diversidade em sala de aula o professor pode seguir algumas dessas sugestões:

  • Identificar as diferenças: mapear os círculos de comunicação e os jogos de linguagem em sua sala de aula. O professor vai notar que o interesse do aluno é personalizado e se manifesta individualmente e em grupo, em "nichos", em redes flexíveis de linguagem, em topografias variadas.
  • Estar atento às diferenças raciais, religiosas, tribais (multiculturalismo);
  • Observar os elementos em que os alunos têm afinidades: os territórios simbólicos, as preferências musicais, esportivas, de vestimenta, profissionais, sexuais etc.
  • Deixar de apostar num aluno médio, e passar a oferecer atividades específicas para um determinado aluno e/ou um determinado grupo.
  • Cuidar de um cenário de proposições, de sinalizações, de motivações que contemplam as necessidades dos alunos, que levem em conta suas experiências e suas preferências.
  • Propor aos alunos atividades em que possam compartilhar a criatividade.

5. Escolher a interface adequada a cada aplicação

O webdesigner conta com um arsenal de utensílios para colocar em prática os seus projetos: scanner, mouse, teclado, tela tátil associados aos softwares de composição em duas e três dimensões. Eles permitem criar textos, gráficos, imagens e sons. De acordo com Hélène David, esses sistemas (materiais e software) são recursos de multiplicação dos modos de comunicação.

Para o professor, o significado de tudo isso pode ser: escolher utensílios adequados à aprendizagem, à co-criação, à multiplicidade, considerando que são recursos de multiplicação dos modos de comunicação.

Vídeo e computador, considerados separadamente, podem ser empregados em sala de aula como utensílios interativos de produção de aprendizagem e de mobilização. Em tese, o primeiro não é interativo; já o segundo, hipertextual, é essencialmente interativo. No entanto, o professor pode inverter a natureza comunicacional de cada um desses utensílios.

Acima de tais naturezas está a opção crítica do professor, sua autoria. O computador, mesmo tendo como base o aporte hipertextual, pode não promover interatividade. O vídeo, mesmo baseado na linearidade da fita, pode ampliar a comunicação sensorial, afetiva, intelectual e promover motivação e aprendizagem, se houver interatividade intencional.

Para promover a interatividade em sala de aula, o professor pode:

  • Escolher os utensílios adequados à aprendizagem, à co-criação e a multiplicidade, com o objetivo de ampliar a comunicação e a expressão.
  • Desencadear a interatividade mesmo utilizando equipamentos técnicos ou utensílios ou interfaces não digitais (não interativos).

2. Promover interatividade 2

Promover interatividade 2

Na sala de aula presencial e online, o professor precisa enfrentar alguns desafios fundamentais:

  • Favorecer a expressão de cada um e a confrontação entre os parceiros.
  • Potenciar a sala de aula como espaço democrático onde se valoriza o aluno em sua individualidade e condição sociocultural.
  • Suscitar o confronto de saberes, significados, desejos, vivências e experiências.
  • Garantir liberdade e multiplicidade ao falar e ao atuar, como condição sine qua non da aprendizagem, da socialização, enfim, da educação.

O professor é o personagem decisivo no enfrentamento desses desafios. Para isso, é preciso encarar dois problemas básicos. O primeiro problema é que professores e alunos estão constantemente em terrenos culturais diferentes e têm dificuldades consideráveis em erguer e atravessar pontos de vista diferentes. O segundo é que a adoção de uma nova postura, que facilite o confronto mencionado, obriga o docente a abandonar métodos, crenças e comportamentos tradicionais.

O primeiro problema remete à formação do professor na "cultura da escrita". Sua relação solitária com o livro deu origem ao perfil de distanciamento, e não de participação e bidirecionalidade. O livro estabeleceu o predomínio da interpretação particular, e não o entendimento coletivo baseado na argumentação. Deste primeiro problema surge o segundo problema: a dificuldade de romper com métodos, crenças e comportamentos cristalizados.

Um alento: a cibercultura favorece a oportunidade de disseminar um outro modo comunicação e de pensamento. Para enfrentar os desafios, o professor precisa ficar atento às interações existentes e lançar mão dos fundamentos da interatividade. Mesmo sabendo que tem a seu favor o espírito do tempo, ele precisa levar em conta três sugestões de atuação muito valiosas.

  1. A dança dos gêranos: pequenos grupos interativos
  2. Desbloquear o corpo, a fala e a atuação dos alunos e do professor
  3. Prestar atenção nas relações de força e promover democracia

1. A dança dos gêranos: pequenos grupos interativos

Você leu sobre a dança do gêranos no final da Unidade 2. A sugestão aqui é que o professor promova interatividade e aprendizagem operando com pequenos grupos. Estes podem se formar a partir dos "nichos", das "tribos", enfim, da acomodação orgânica das afinidades, das redes flexíveis de linguagem. Mas podem se formar também segundo o ponto de vista crítico da proposição do professor - ou numa mescla de tudo isso.

Os pequenos grupos possibilitam a confrontação das subjetividades. Há maior superfície de contato entre os participantes e destes com o professor. Além disso, os pequenos grupos permitem criar disposições rizomáticas, hipertextuais que fazem da sala de aula um mapa aberto de conexões, de heterogeneidade e de mobilidade dos centros. Este mapa se organiza de modo fractal, por proximidade, por vizinhança, em constante construção e renegociação num permanente jogo para os autores envolvidos.

O professor não é o centro da cena e não deixa a peteca cair. Ele promove a criatividade partilhada, colaborativa, de modo que cada participante se reconfigura a si mesmo quando interage com os outros em momentos de debate e argumentação, seja em cada grupo, seja no coletivo. Ele promove a "sinergia de competências".

Pode propor projetos coletivos definidos e avaliados coletivamente. Os alunos não realizam tais projetos para receber nota do professor, mas sim pela produção do trabalho criativo. O aluno recebe de seus colegas comentários críticos, sugestões, solicitações, enfim, confrontações. Os modos tradicionais de avaliação podem permanecer, mas coexistindo com a ação avaliativa contínua e não circunstancial, que revele todo o processo e não apenas de seu produto.

Para propor atividades com pequenos grupos, o professor pode:

  • Interferir na cadeia de aprendizagem de forma leve, bem humorada.
  • Propor projetos coletivos que sejam definidos e avaliados coletivamente.
  • Propor ação avaliativa contínua e não circunstancial, que revele o processo e não apenas a produção.

2. Desbloquear o corpo, a fala e a atuação dos alunos e do professor

Na confrontação coletiva nem sempre acontecem as trocas construtivas. Uma das explicações para isso são os bloqueios que comprometem a expressão livre e plural. Por exemplo: timidez, dificuldade pessoal de se expressar em público e dificuldade pessoal de atuar coletivamente.

Para promover o desbloqueio, tomamos como referência a metodologia formulada por Augusto Boal (1980), o criador do "teatro do oprimido". Nos anos 1960/70, Boal fazia parte da mobilização "participacionista" e inventou um método para a converter o espectador em ator. Essa metodologia serve para desbloquear o espectador para que participe da ação dramática e se prepare para agir em seu meio social.

A metodologia do teatro do oprimido pode inspirar o professor que deseja promover a conversão do aluno-espectador em aluno-autor. O professor pode considerar, como Boal, que o espetáculo é uma preparação para a ação. Para isso o próprio professor precisa se preparar. Para "converter o aluno-espectador", o professor pode lançar mão das sugestões de Boal não exatamente como num curso de teatro, mas para inspirar as proposições de aprendizagem. O "esquema geral" de sugestões está dividido em quatro etapas. As três primeiras reúnem as sugestões mais significativas para o professor:

  • Primeira etapa. Conhecimento do corpo: conhecer o próprio corpo, suas limitações e suas possibilidades, suas deformações sociais e suas possibilidades de recuperação. Existe uma enorme quantidade de exercícios que se podem praticar, todos com o objetivo de fazer com que o participante se torne cada vez mais consciente do seu corpo.
  • Segunda etapa. Tornar o corpo expressivo: se expressar unicamente pelo corpo, abandonando outras formas de expressão mais usuais e cotidianas. A comunicação por meio da palavra colabora para o subdesenvolvimento da capacidade de expressão corporal. Uma série de 'jogos' pode ajudar os participantes a desenvolverem os recursos do corpo, como forma de expressão.
  • Terceira etapa. Teatro como linguagem. Esta etapa se divide em três partes, significando cada uma um grau diferente e progressivo de participação direta do espectador no espetáculo. Aqui o objetivo é fazer com que o espectador se disponha a intervir na ação, abandonando sua condição de objeto e assumindo plenamente o papel sujeito. As duas etapas anteriores são preparatórias e estão centradas no trabalho do participante com seu próprio corpo. Esta nova etapa enfatiza o tema a ser discutido, e promove o passo do espectador à ação verdadeira.

O professor pode aprender com Boal e em sala de aula desbloquear corpos, falas e participações

  • Preparar o sujeito para a ação na confrontação coletiva
  • Unir palco e platéia engendrando equipes de co-criação do roteiro e da encenação. Docente e discentes planejam e executam juntos. O professor não perde sua autoria e tampouco sua autoridade.
  • Proporcionar a conversão de expectadores em atores, bidirecionalidade e hibridação

3. Prestar atenção nas relações de força e promover democracia

Os professores já identificaram a forte razão que impede as trocas construtivas: as relações de força que se instauram no grupo. Se eles quiserem desenvolver sua autoria em uma sala de aula democrática poderão encontrar sugestões para isso no estudo do pesquisador Charles Ess (1994) sobre a possibilidade de democracia no software.

Ess faz algumas sugestões aos designers de software para a democratização necessária a seus produtos. Ele toma por base princípios da "teoria da ação comunicativa" de Jürgen Habermas. São regras ou princípios éticos que podem garantir a ação comunicacional livre, plural e colaborativa:

  • Todo sujeito com a competência para falar e atuar tem a permissão para tomar parte num discurso
  • Todo mundo tem a permissão para questionar qualquer assertiva que seja
  • Todos têm a permissão de introduzir qualquer assertiva que seja dentro de um discurso
  • Todos têm a permissão de expressar suas atitudes, desejos e necessidades
  • Nenhum falante deve ser privado, seja por coerção, interna ou externa, de exercer estes direitos

Charles Ess acredita que o designer de software pode se valer das teorias de Habermas em seu trabalho. Ele acredita que a ética da comunicação proposta pelo filósofo pode ser traduzida para o mundo do computador e oferece as seguintes sugestões:

  • Facilitar o discurso entre uma diversidade de comunidades de base sobre diferentes normas e ainda preservar diferenças individuais e culturais.
  • Levar à aquisição da habilidade para questionar qualquer afirmação que seja, e para introduzir qualquer afirmação que seja.
  • Gravar e rastrear qualquer afirmativa e as perguntas que elas originarem, com o objetivo de documentá-las. Todas as afirmativas e todas as questões levantadas existiriam como nós de hipertextos individuais linkados uns aos outros.
  • Estar livre de outras formas de coerção social, como, por exemplo, sugestões sutis, porém poderosas de hierarquia, status, gênero e outros.

Essas sugestões são fundamentais para o professor. Primeiro, porque evidenciam as bases democráticas da sala de aula interativa. Segundo, porque a partir delas o professor pode estabelecer um compromisso com a educação entendida como socialização da democracia em nosso tempo.

A sala de aula como espaço democrático onde se reconhece e se valoriza o interlocutor em sua inteligência e posicionamento sóciocultural. Eis algumas sugestões para criação desse ambiente:

  • Suscitar o confronto de saberes de significados, de desejos, de vivências, de experiências, garantindo liberdade e multiplicidade ao falar e ao atuar.
  • Adotar uma postura visando superar as diferenças culturais existentes em sala de aula.
  • Promover um ambiente de liberdade, de pluralidade, que facilite a argumentação e a livre expressão.
  • Criar oportunidades para que os participantes tematizem afirmações válidas e tentem reformulá-las ou criticá-las por meio de argumentos.
  • Respeitar as regras ou princípios éticos que garantem a comunicação em sala de aula.