1. Promover interatividade 1

Promover interatividade 1

O designer de software é o profissional que cria a arquitetura de um programa de computador. E o webdesigner é o criador do layout de páginas da Internet, é o arquiteto das informações e das navegações. Esses profissionais podem utilizar textos, ilustrações, som, animação, cenários em terceira dimensão, bancos de dados e outros recursos. Muitas vezes o trabalho desses profissionais resulta em sites ou sistemas que permitem alguma interatividade. Ambos preparam o ambiente para o que usuário possa navegar, receber, emitir, trocar, comunicar, co-criar, intervir na mensagem e nos processos.

O que o professor teria a aprender com esses dois profissionais, que, no contexto da exclusão digital fazem parte de um mundo distante da realidade da escola e da universidade?

O professor pode buscar nas práticas do webdesigner e do designer de software sugestões para o tratamento complexo da informação e da comunicação. Esse aprendizado é valioso para o professor porque contribui para redefinir a comunicação com os conteúdos de aprendizagem entre aprendizes, e inspira o redimensionamento de sua autoria.

Em sala de aula o professor pode tratar os conteúdos de aprendizagem inspirado na construção de uma rede de conexões, e não de uma rota de encadeamentos. Pode arquitetar territórios a explorar, um conjunto de campos abertos à imersão, à interferência. Pode disponibilizar teias e criar motivações para o envolvimento do aluno. Em lugar de transmitir a informação, ele pode tratá-la de modo a engendrar a experiência do conhecimento, uma vez que a aprendizagem se dá na exploração (ter a experiência) realizada pelos aprendizes e não a partir da récita do professor.

Enfatizar estes profissionais da informática e da Internet, não significa dizer que só se promove interatividade na sala de aula informatizada e conectada à Internet. Como o "parangolé", obra de arte participacionista, o demonstra, a interatividade não depende do computador e da Internet. O professor pode disponibilizar os conteúdos de aprendizagem à maneira do parangolé, que para Hélio Oiticica (1986) é uma arquitetura que aspira ao labirinto de possibilidades: proposição da participação ativa (sensório-corporal e semântica) dos alunos. Para o artista, o parangolé não é para o espectador contemplar, mas para o participador completar, interagir. É solicitação à "completação" dos significados propostos e criação de novos significados.

Seja inspirado no software e no site interativos ou no parangolé do Oiticica, o professor pode disseminar um outro modo de pensamento e engendrar uma nova dinâmica de aprendizagem. A seguir, apresentamos cinco dicas do design de software, para que o professor analise e reflita em como elas podem contribuir para a sua prática docente:

  • Explorar as vantagens do hipertexto
  • Ajudar o usuário a não se perder e ao mesmo tempo não impedi-lo de perder-se
  • Empregar a retórica tradicional sem esquecer a gramática do hipertexto
  • Tomar a comunicação como espaço de diversidade e não de uniformidade
  • Escolher a interface adequada a cada aplicação

1. Explorar as vantagens do hipertexto

Como vimos, o hipertexto é uma forma de apresentar ou organizar informações de uma forma não-linear. O usuário tem a liberdade de seguir o caminho que quiser. Entre as vantagens do hipertexto, a pesquisadora Patrícia Ann-Carlson (1988) destaca:

  • Flexibilidade - informações são dispostas em diferentes caminhos de entendimento, de modo que contemple múltiplos pontos de vista.
  • Funcionalidade - por exemplo, atravessar rapidamente grandes quantidades de dados, marcando o texto em níveis diferentes para cada interesse particular do usuário.
  • Síntese de conhecimento - o incremento do potencial para a síntese de conhecimento supõe uma melhor representação da disposição dos conteúdos de aprendizagem, das informações, das conexões e da sinalética.
  • Conectividade - os nós em caminhos diferentes, em vários atalhos reconectáveis a qualquer instante por mecanismos de recuperação.

Hélène David (1985) explica que a criação de um hipertexto envolve compor um roteiro de entradas e percursos múltiplos, em que é preciso:

  • Prever um grupo de situações, as diferentes seqüências que podem suceder a cada uma delas;
  • Conceber, para cada situação de partida, intersituação e situação de chegada, uma verdadeira mise en scène de formulações.

Na sala de aula, o hipertexto supõe o coletivo conectado, mas não deixa de contemplar o faça-você-mesmo de cada aluno. Por exemplo, ao tomar contato com uma informação, o aluno elabora sua versão. Essa versão será confrontada com as diferentes versões elaboradas por outros alunos. A partir desse confronto pode ocorrer a construção do conhecimento.

Para isso, o professor pode colocar à disposição de seus alunos diversos enfoques sobre determinado assunto, em fontes diversas e acessíveis - livros, jornais, vídeos, Internet, CD-ROM etc. O contato com a diversidade de fontes pode facilitar a explicitação das diversas abordagens e os cruzamentos das opiniões em sala de aula. O professor cuida de dar funcionalidade à plurissignificação: garante a fartura de dados e os dispõe de modo a criar percursos possíveis.

A estratégia do hipertexto em sala de aula não requer necessariamente o uso de computadores e Internet. O professor pode:

  • Trazer aos alunos materiais que tragam informações sobre o seu conteúdo, em diversos enfoques, a partir de diferentes fontes, interconectáveis e acessíveis, sejam livros, jornais, vídeos, encenações, internet, CD-ROM.
  • Estimular os alunos a identificarem as diversas abordagens e o cruzamento das opiniões.
  • Costurar os "nós" em caminhos diferentes, prevendo situações de partida, situações intermediárias e de chegada.

2. Incluir um mecanismo que ajude o usuário a não se perder, mas que ao mesmo tempo não o impeça de perder-se

No projeto de páginas da Internet ou em softwares, os profissionais costumam organizar as informações em múltiplas camadas, ligadas umas às outras por meio de links, sejam em forma de palavras ou imagens (os ícones). Essas técnicas espaço-visuais visam tornar o conteúdo mais acessível. Para elaborar um design que atenda às necessidades do usuário, Ann-Carlson recomenda que os profissionais prestem atenção a:

  • O que o conteúdo diz: o designer deve eliminar qualquer conteúdo incorreto, ambíguo, arcaico, antigo, pois isso diminui a efetividade da comunicação com o usuário.
  • Representação da informação: aqui a preocupação é com a organização e armazenamento da informação. É importante buscar uma lógica interna coerente e um seccionamento adequado.
  • Pontos de acesso às informações: o objetivo desta recomendação é evitar pontos de acesso confusos e insuficientes, causados por mapeamento inadequado da informação.

Há também o jogo curioso do se perder e não se perder. O professor pode pôr em prática essa recomendação na hora de organizar as informações a serem exploradas pelo aluno. Basicamente, são dois tipos de cuidados que o professor precisará ter: 1. a informação referente à aprendizagem do conteúdo, que pode ser múltipla e flexível; 2. a informação sobre como lidar com essa informação: os sinais dos caminhos possíveis a percorrer.

Ao sinalizar as informações, o professor possibilita o acesso fácil aos dados e enredos do conteúdo. É uma forma de evitar que o aluno se perca na proposição do professor, mas não impede que ele, ao adentrar os caminhos propostos, experimente o labirinto, experimente o pensamento complexo que trabalha no acaso e na incerteza e aí aprende a não sucumbir.

A sinalização é também uma forma de garantir a motivação à participação. Estimular o aluno supõe satisfazê-lo, contemplar seu interesse, o que supõe efetividade na comunicação.

Para proporcionar aos alunos uma exploração às informações e aos conteúdos de suas aulas, sugerimos ao professor algumas ações:

  • Convidar o aluno a explorar os conteúdos de aprendizagem. Estar atento que a comunicação do professor é a base para a motivação para a aprendizagem.
  • Orientar a exploração por meio de sinais que permitam ao aluno perder-se e não se perder.
  • Levar em conta o perfil comunicacional do novo espectador:
  • Tem uma maior destreza perceptiva, pode a ler no hipertexto
  • Sua leitura é do tipo cinestésico: presta atenção a muitos quadros e movimentos simultâneos
  • Tem disposição ao diálogo como imersão, navegação, exploração, conversação.

3. Empregar a retórica tradicional sem esquecer a gramática do hipertexto

O professor precisará conjugar linearidade e hipertexto. O hipertexto apresenta características próprias e vantagens inquestionáveis - flexibilidade e funcionalidade, só para citar duas. É um recurso essencialmente interativo, que vem potenciar a figura e o ofício do professor, ao invés de roubar sua autoria em tecnologias e estratégias mirabolantes. Todavia, a utilização do hipertexto não significa e não pode significar a substituição do modo tradicional de ler por outro.

Assim, a sugestão aqui é utilizar as vantagens tradicionais e hipertextuais de apresentar a informação:

  • No formato tradicional, que considera a frase e o parágrafo como unidades básicas da redação. Dois elementos desse sistema são um bom leitor e o texto estruturado.
  • No formato hipertextual, que leva em conta não apenas o texto, mas a forma como será exibido na tela em teias de conexões.

Na sala de aula, o professor pode adotar a sugestão que Ann-Carlson faz ao designer de software. Ela recomenda desconstruir o texto que está no papel para disponibilizá-lo numa coleção de fragmentos incrustados, exuberantemente conectados. Para o professor, essa estratégia pode ser traduzida como um investimento no meio de exibição. Por exemplo, o professor pode usar estratégias sensoriais e equipamentos, naturalmente disponibilizados em um modelo hipertextual.

Mesmo que adote essa dinâmica, o professor pode garantir a presença do modo tradicional de ler: um bom leitor e um texto estruturado seqüencialmente em páginas de papel ou na tela do computador.

O educador atento sabe que educar em nosso tempo supõe a construção de cidadãos que saibam ler hoje tanto os periódicos como noticiários de televisão, games, videoclip, sites e ambientes online.

Para investir na apresentação de seus conteúdos de forma tanto tradicional (livresca, pedagogia da transmissão) quanto hipertextual, o professor pode:

  • Dar um tratamento específico à apresentação dos conteúdos de modo a torná-los mais interessantes. Para isso, observar questões de desenho, arquitetura de tela, interface do usuário, dinâmicas de grupo, recursos audiovisuais, etc.
  • Trabalhar com texto, vídeo, tv, teatro, palestra, objetos de aprendizagem em teias de links que abrem para conteúdos e espaços de troca e colaboração.

4. Tomar a comunicação como espaço de diversidade e não de uniformidade

Esta sugestão se origina em uma tarefa típica do planejamento de um site ou software: levar em conta as diferenças entre as pessoas que vão usar o produto. Patricia Ann-Carlson recomenda ao designer avaliar as necessidades dos usuários, já que uma página ou sistema é acessado por muitas pessoas. É uma forma de elaborar um produto que leve em consideração os diferentes interesses da comunidade de usuários.

É preciso reconhecer a existência de diferenças individuais entre os alunos e seus diferentes processos cognitivos. As diferenças individuais e grupais fazem da sala de aula um recorte do social múltiplo - o social e a sala de aula no sentido "hologramático". (Hologramático significa que não apenas a parte está no todo, como o todo está na parte.)

Muitas vezes o professor pode até reconhecer essas diferenças, mas não consegue modificar sua prática pedagógica. O motivo seria a cristalização do modelo escola-fábrica, que distribui em massa produtos indiferenciados. Pode ser também pelo fato de que o professor tenha sido criado na cultura dos meios de comunicação unidirecionais e naturalizou a prática da emissão para a massa indiferenciada e passiva.

É importante lembrar que as diferenças possibilitam as interações. O professor pode inspirar-se em lógicas tão distintas, mas que lidam com a idéia da diversidade. Por exemplo, pode aprender com a visão do mercado - sem jamais considerar educação e alunos como produto e consumidores -- que traça o mapa do consumo em "nichos". Pode também se basear no conceito de "neotribalismo", de Maffesoli (1987), que explica o social como redes existenciais definidas por referenciais como o corpo, o imaginário, o desejo, as paixões, os interesses ligados a estilos de vida.

Para contemplar a diversidade em sala de aula o professor pode seguir algumas dessas sugestões:

  • Identificar as diferenças: mapear os círculos de comunicação e os jogos de linguagem em sua sala de aula. O professor vai notar que o interesse do aluno é personalizado e se manifesta individualmente e em grupo, em "nichos", em redes flexíveis de linguagem, em topografias variadas.
  • Estar atento às diferenças raciais, religiosas, tribais (multiculturalismo);
  • Observar os elementos em que os alunos têm afinidades: os territórios simbólicos, as preferências musicais, esportivas, de vestimenta, profissionais, sexuais etc.
  • Deixar de apostar num aluno médio, e passar a oferecer atividades específicas para um determinado aluno e/ou um determinado grupo.
  • Cuidar de um cenário de proposições, de sinalizações, de motivações que contemplam as necessidades dos alunos, que levem em conta suas experiências e suas preferências.
  • Propor aos alunos atividades em que possam compartilhar a criatividade.

5. Escolher a interface adequada a cada aplicação

O webdesigner conta com um arsenal de utensílios para colocar em prática os seus projetos: scanner, mouse, teclado, tela tátil associados aos softwares de composição em duas e três dimensões. Eles permitem criar textos, gráficos, imagens e sons. De acordo com Hélène David, esses sistemas (materiais e software) são recursos de multiplicação dos modos de comunicação.

Para o professor, o significado de tudo isso pode ser: escolher utensílios adequados à aprendizagem, à co-criação, à multiplicidade, considerando que são recursos de multiplicação dos modos de comunicação.

Vídeo e computador, considerados separadamente, podem ser empregados em sala de aula como utensílios interativos de produção de aprendizagem e de mobilização. Em tese, o primeiro não é interativo; já o segundo, hipertextual, é essencialmente interativo. No entanto, o professor pode inverter a natureza comunicacional de cada um desses utensílios.

Acima de tais naturezas está a opção crítica do professor, sua autoria. O computador, mesmo tendo como base o aporte hipertextual, pode não promover interatividade. O vídeo, mesmo baseado na linearidade da fita, pode ampliar a comunicação sensorial, afetiva, intelectual e promover motivação e aprendizagem, se houver interatividade intencional.

Para promover a interatividade em sala de aula, o professor pode:

  • Escolher os utensílios adequados à aprendizagem, à co-criação e a multiplicidade, com o objetivo de ampliar a comunicação e a expressão.
  • Desencadear a interatividade mesmo utilizando equipamentos técnicos ou utensílios ou interfaces não digitais (não interativos).