3. Atentar para as interações 2

Atentar para as interações 2

Quais são as diferentes situações de interação que ocorrem dentro de uma sala de aula? Essa é a pergunta-chave da pesquisadora Laura Ribeiro (1986). Esta autora convida os professores a atentarem para a complexidade das interações. Para ela uma sala de aula se faz com uma densa rede de relações.

A autora enfoca, sobretudo, o papel central das interações no universo psicossocial da sala de aula. O processo de auto-análise e de reflexão seria essencial para a educação e para o educador. A idéia é que, quando os professores analisam sua própria atuação em sala de aula, tornam-se capazes de promover mais e melhores interações - ou aprendizagem. O "interacionismo simbólico" é fonte de inspiração da autora. Ela cita, por exemplo, I. Goffman, um clássico representante dessa corrente teórica.

Algumas das idéias abordadas pela autora trazem valiosas sugestões ao professor que quer analisar a interação em sua sala de aula a partir de cinco aspectos:

  1. A expressividade latente das interações
  2. A construção dramática
  3. O clima sócio-emocional em sala de aula
  4. O papel da autoridade do professor
  5. O professor-pesquisador

1. A expressividade latente das interações

Neste item o professor é convidado a pensar sobre a forma como se expressa aos alunos - tanto aquilo que ele diz quanto aquilo que emana de sua imagem. Para entender melhor como isso funciona, ele precisa ver como acontece uma situação interativa.

De acordo com a autora, uma situação interativa é aquela em que o sujeito se expressa de modo que os outros co-participantes da situação passem a agir em função do que expressou. Nesse processo os participantes percebem dois tipos de mensagens:

  • Aquela que o sujeito envia;
  • Aquela que emana da atuação do sujeito - sua expressão, seus modos não verbais, emitidos em geral de modo alheio à sua consciência.

É esta última que está relacionada à expressividade latente: é o conjunto expressivo do professor que emana de sua atuação, que inclui a sua vestimenta, expressão facial e expressão corporal. Esse conjunto é percebido como elemento integrante da informação. Ao ser recebido, esse conjunto possibilitará um processo de dedução, que será o orientador básico das condutas escolhidas pelos participantes.

O processo de inferência do aluno ocorre a partir do conjunto expressivo do professor - tanto aquilo que ele diz quanto o que emana de sua imagem. O professor pode empreender um exercício de auto-análise sobre o seu conjunto expressivo, começando pela pergunta:

  • Minha vestimenta, minhas expressões faciais, mais expressões corporais são coerentes com o meu discurso?

2. A construção dramática

Neste tópico a autora convida o professor a pensar o seu trabalho como uma elaboração cênica. Ele seria o ator, que coloca uma máscara social - fachada - para desempenhar um papel. A sala de aula seria o seu palco - a figura fundo.

A autora explica que a fachada é a dotação expressiva, geral e pré-fixada, usada, intencionalmente ou não, por um sujeito em seu desempenho, para definir a situação para os outros co-participantes.

a figura-fundo relaciona-se com a fachada. É o meio habitual onde se apresentará o ator: local, mobiliário, decorações, equipagens e outros elementos cênicos próprios da dotação expressiva.

Há outros aspectos que se somam à complexa trama em que o professor é ator: insígnias de cargo, roupas, sexo, idade, raça, aspecto, porte, pautas de linguagem, expressões faciais, gestos corporais. Esses aspectos pessoais se configuram numa aparência pessoal e em modos pessoais de agir. Tudo isso transmite informação. Tudo isso interfere nas interações. É preciso prestar atenção a tudo isso.

Na construção dramática em sala de aula, o professor pode desempenhar o seu papel tomando por base as seguintes ações:

  • Planejar a sua atuação em sala de aula.
  • Demonstrar segurança no modo de conduzir as atividades.
  • Dominar o conteúdo das atividades propostas.
  • Cuidar da elaboração cênica.
  • Lançar mão de recursos cênicos.
  • Utilizar os elementos que compõem a sua imagem como recurso cênico.

3. O clima sócio-emocional em sala de aula

A fala do professor exerce influência direta ou indireta na trama sócio-emocional das interações. Acompanhe alguns exemplos de falas que podem provocar influência direta e indireta nos alunos:

Influências diretas - podem ocorrer quando o professor:

  • Expõe: apresenta fatos ou opiniões sobre conteúdo ou procedimentos, expressa suas próprias idéias, faz perguntas retóricas.
  • Dá instruções: direções ou ordens a que se espera que o aluno obedeça.
  • Critica ou justifica a autoridade: declarações que pretendem mudar o comportamento do aluno de um padrão inaceitável para um padrão aceitável; recriminações em voz alta; razão pela qual o professor age como age; freqüentes referências a si mesmo.

Influência indireta - o professor pode influenciar indiretamente seus alunos quando:

  • Aceita sentimentos: esclarece a expressão afetiva dos alunos de maneira não ameaçadora.
  • Elogia e encoraja: incentiva ações ou comportamentos dos alunos. Brinca para aliviar tensões, mas nunca às custas de alguém. Inclui-se nesta categoria concordar com movimentos de cabeça, dizer 'hum?' ou 'continue'.
  • Aceita ou usa idéias dos alunos: esclarece, estrutura ou desenvolve idéias sugeridas por um aluno. Quase sempre, o professor passa da exposição da idéia do aluno para sua própria.
  • Faz perguntas: propõe fatos ou opiniões sobre conteúdo ou procedimentos com a intenção de suscitar respostas dos alunos.

Os exemplos acima revelam algumas entre muitas possibilidades de expressão da fala que o professor dirige aos alunos.

As sugestões a seguir visam criar um clima sócio-emocional em sala de aula que possibilite a livre e plural expressão dos alunos:

  • Levar em conta as expressões afetivas dos alunos.
  • Dar instruções, direções ou ordens, permitindo ao aluno se posicionar.
  • Respeitar o comportamento do aluno, sem querer impor seu próprio padrão.
  • Eliminar o abismo entre o aluno e o professor como autoridade absoluta.
  • Aceitar e esclarecer a expressão afetiva dos alunos de maneira não ameaçadora.
  • Elogiar, estimular, encorajar, aliviar tensões e expressar concordância quanto às ações e comportamentos dos alunos.
  • Esclarecer, estruturar ou desenvolver idéias sugeridas por um aluno sem conduzir ou antecipar a fala deste, sem criar constrangimentos.
  • Utilizar as idéias dos alunos como pretexto para afirmar suas próprias idéias ou suscita a participação do aluno.

4. O papel da autoridade do professor

Este tópico convida o professor a pensar sobre a forma como maneja a relação de poder em sala de aula e em que bases a sustenta. A pergunta é: como o professor lida com a sua autoridade socialmente conferida?

Para Ribeiro, o professor sabe que é posto no papel de autoridade pela natureza de sua vinculação à escola e à sociedade. Mas muitas vezes não se dá conta de que tal autoridade tem sido reduzida a dimensões de autoritarismo ou verticalismo. E, levado pela tradição do falar-ditar, ele naturaliza estas dimensões.

Ribeiro apresenta algumas categorias e exemplos de comportamentos indicativos das bases de poder:

Tipo de poder

Descrição

Exemplos

Poder legítimo (institucional):

Baseia-se na percepção do aluno de que o professor tem direito de prescrever comportamentos.

Decorre de valores interiorizados pelo aluno, que o levam a aceitar a influência do professor.

- Pedir silêncio
- Apontar um aluno para falar,
- Pedir atenção,
- Definir regras de rendimento e comportamento,
- Fazer a chamada,
- Indicar critérios de avaliação.

Poder de coerção

Baseia-se na percepção do aluno de que o professor tem capacidade para apresentar-lhe punições.

Decorre da expectativa do aluno de que receberá valências negativas se deixar de conformar-se à tentativa de influência.

- Franzir a testa,
-
Contrair os lábios,
- Apontar o dedo em riste,
- Balançar a cabeça negativamente,
- Bater os pés,
- Olhar fixamente ao aluno,
- Fazer longa pausa na atividade ( espera ),
- Levantar o queixo,
-
Excluir alunos

Poder de recompensa

Baseia-se na percepção do aluno de que o professor pode proporcionar-lhe recompensas.

Depende da capacidade do professor para dar valências positivas e afastar ou diminuir valências negativas.

- Sorrir,
- Fazer gestos de aprovação,
- Olhar com aprovação,
- Prestar atenção ao que o aluno diz,
- Fazer apreciações após a fala do aluno,
- Evitar rigidez na demarcação de distâncias.

Poder referente

É um poder de maior amplitude, baseado na identificação do aluno com o professor.

Implica conformismo que acarreta satisfação.

Os mesmos comportamentos anteriores, exceto quando coercitivos ou ilegítimos, segundo a percepção do aluno.

Poder especializado

Baseia-se na percepção do aluno de que o professor tem conhecimento específico ou especializado.

Provoca influência social primária na estrutura cognitiva do aluno.

- Determinar amplitude, seqüência e distribuição do conteúdo,
- Comentar aspectos positivos e negativos de um trabalho em nível de conteúdo objetivo,
- Manipular materiais,
- Responder perguntas sobre conteúdo,
- Indicar fontes precisas de informações.

5. O professor-pesquisador

Este não é mais um item para a auto-análise do professor. É a autoria do professor para onde convergem todos os alertas e contribuições que a autora Laura Ribeiro propõe.

O professor-pesquisador é aquele que cuida da auto-análise, da reflexão sobre as interações e da intencionalidade com relação a mais e melhores interações. Isto supõe um esforço prático de caracterizar, descrever, buscando a compreensão fenomenológica dos significados implícitos à ação social compartilhada - ou melhor, convivida - com suas ambigüidades e complexidades.