A partir da leitura dos textos sugeridos, do podcast e do slideshow sobre currículo e desenho didático, da animação "Casa de máquinas" e da sua experiência, perguntamos: qual o impacto das concepções curriculares culturalista e funcionalista sobre o desenho didático dos cursos online?
Re: Fórum momento 1 - currículo e desenho didático
Arriscarei aqui destacar um trecho que julguei importante para a discussão (grifos meus):
Texto de autoria de Lucila Pesce, compõe o painel Desenho Didático em Educação online (coord. Marco Silva), apresentado no XIV ENDIPE: trajetórias e processos de ensinar e aprender: lugares, memórias e culturas. PUC/RS: Porto Alegre, 27 a 30 de abril de 2008. - p.13
Em síntese, o intertexto de três conceitos – agir comunicativo habermasiano, dialogia bakhtiniana, interação dialógica freireana – respalda-nos na defesa de desenhos didáticos dialógicos de cursos online, que se pautem: a) na seleção de formadores altamente qualificados e atuantes nas capilaridades, o que significa a superação do conceito tecnicista de formação em cadeia, que cinde conceptores e tutores; b) em interações genuínas entre formando e formador, em recusa a interações artificiais, erguidas em meio a um script de autoria alheia; c) na condução autônoma da temporalidade constituinte dos processos de formação; d) na proporção adequada do número de formandos por formador, de modo a não comprometer a relação pedagógica inerente a esse processo.
Bom, após examinar todos os recursos, indicados, recontextualizo o seguinte do podcast:
Tendo em mente a concepção funcionalista, representada por Bobbit e Tyler, como um currículo voltado a eficiência, tradicional, com especialistas levantando habilidades e instrumentos de medição, caráter organizacional, tecnicismo; e a culturalista - de Anto. Flavio Moreira e Tomaz Tadeu da Silva - responsabilizando o status quo pelas desigualdades, propondo que o foco do estudo se desloque para o que o currículo faz - Por que ensinar tais conhecimentos e não outros -; o impacto no desenho didático seria:
- Funcionalista: um desenho didático menos flexível, menos conceitual, realizado "em linha de produção", reproduzido invariavelmente em qualquer ambiente e para qualquer público, instrucionista
- Culturalista: conceitual, flexível, atraente, customizado para diferentes ambientes e públicos
Mas me resta uma indagação. No último dia 1/4/09, na abertura do Interdidática, durante a palestra da profa. Beth Almeida, ela afirmou o seguinte à profa. Lea Fagundes, na platéia: "o significado de instrução precisa ser reconstruído".
A instrução é de todo má, ou melhor, "apenas funcional"? Custo a acreditar que sim. Em algum ponto, é necessário que o desenho didático privilegie o instrucional. Deste modo, a linha divisória entre estes conceitos fica sinuosa, e perigosa, acredito. Espero não ser a única.
Obs.: A imagem abaixo é uma pequena brincadeira visual com estes conceitos.
[]s
Renata
Re: Fórum momento 1 - currículo e desenho didático
Renata, antes de tudo o meu muito obrigada pelo comentário que você deixou no Youtube, em relação ao vídeo "Sampa".
Fico muito contente em ver como você se debruçou sobre as nossas sugestões de leitura e da boa síntese que traz em suas considerações. Com isso, você traz contribuições ricas para o nosso diálogo. A imagem que você traz para a nossa arena de discussão é muito instigante. Parabéns!
Achei muito oportuna a sua lembrança da frase proferida pela professora Beth Almeida: "o significado de instrução precisa ser reconstruído". Também acho que sim.
No empenho de reconstrução, penso que seja importante olharmos para a palavra "instrução" e para a palavra "instrucionista". Papert já fez esta diferenciação, ao apresentar a linguagem Logo. Naquele momento, Papert já fazia menção aos possíveis enfoques de utilização da informática, no campo educacional: construcionismo (o primado da construção do conhecimento) e instrucionismo (o primado hegemônico e exclusivo da instrução).
Claro que a instrução é necessária à construção de todo e qualquer conhecimento e a sua utilização, integrada em uma perspectiva construcionista e dialógica, de modo algum restringe-se ao caráter funcionalista criticado pelos adeptos à Teoria Crítica de Currículo. Por isso, os momentos de instrução são necessários em todo e qualquer desenho didático. A Crítica que se faz é à perspectiva instrucionista, particularmente, a auto-instrucional, que nem sempre trabalha um dado conceito da melhor forma possível e, muitas vezes, é suportada pelo fator economicamente convidativo, já que contar com uma mediação online de qualidade é algo que acrescenta aos custos de qualquer curso.
Mesmo assim, esta crítica deve ser feita após análise dos objetivos do curso. Tomemos como exemplo um curso de técnico de refrigeração. Neste caso, um desenho didático auto-instrucional bem feito dá conta de cumprir os fins a que se destina o curso. O juízo de valor não pode ser apresentado a priori e de forma genérica. Devemos estudar caso a caso. Este caso é muito diferente, por exemplo, do caso de cursos de formação de professores, em que os momentos de discussão coletiva podem fazer toda a diferença.
Suas considerações são muito oportunas para aprofundarmos estas e outras questões, incluindo a tênue linha que "divide" esta polaridade. Vamos em frente no nosso diálogo.
Muito grata pelas suas considerações. Abração
Lucila
Re: Fórum momento 1 - currículo e desenho didático
esta discussão sobre os formatos e sobre as concepções educacionais me leva a olhar para a nossa realidade, principalmente no que diz respeito a própria UAB. Temos uma visão bem fundamentada, e estruturada, do que devia ser a Educação (também a Online), mas ainda esbarramos numa estrutura que privilegia a formação em cadeia, objetivando números...
A questão é: será que a proriação de um conceito é suficiente para mudar a realidade? O que necessitamos fazer para romper com o paradigma de uma educação industrial, voltada para a quantidade e pouco preocupada com a qualidade?
Re: Fórum momento 1 - currículo e desenho didático
Olá Lucila, Olá Renata, atuais companheiras de Fórum:
Qual o impacto das concepções curriculares culturalista e funcionalista sobre o desenho didático dos cursos online? pergunta Lucila.
Ao lado das considerações bem pertinentes da Renata, quero humildemente tecer algumas outras considerações:
O impacto da adoção de uma teoria de currículo que saia da abordagem receituária e funcionalista e se situe numa abordagem culturalista é bem significativo para discutirmos o desenho de projetos de curso online na medida em que a abordagem funcionalista não contempla as novas subjetividades discentes e suas “outras “ formas de narrativas...
Por outro lado, no texto apresentado por vocês, intitulado: Desenhos Didáticos de cursos online: um enfoque dialógico ( PESCE), a equipe enfatiza o papel do diálogo sob a ótica de três teóricos de peso: Bakthin, Freire e Habermas.
Bakthin com seu conceito de dialogia mostra a importância da linguagem e o papel do diálogo como um objetivo a ser atingido face á incomunicabilidade da nossa era (p.6) e defende uma comunicação mais horizontal e linear entre os sujeitos. Nessa mesma linha Freire vê o diálogo como instrumento de conscientização e emancipação e advoga a importância da intervenção pedagógica num contexto de diálogo a partir da realidade vivida pelos sujeitos. Habermas, na mesma linha, enfatiza o agir comunicativo baseado na intersubjetividade do entendimento lingüístico voltado para a emancipação dos sujeitos. Sem dúvida essa intersubjetividade contribui para uma vida mais solidária e participativa.
Nos ambientes online de aprendizagem muitas vezes os tutores não são devidamente preparados para compreenderem a polifonia e polissemia dos interlocutores (a diversidade de lugares sociais ocupados pelos falantes e a multiplicidade de sentidos das suas falas) transformando os cursos online em práticas para lá de tradicionais. Em resumo, todos esses autores enfatizam a linguagem e o diálogo em oposição a pespectiva monológica que rejeita o carater relacional e de intersubjetividade.
Por esse motivo, a positividade de idéias desses três teóricos se constitue em elemento fundante no estudo dos desenhos online, como frisam vocês, com muita propriedade.
Portanto é necesário acabar com a formação em cadeia, incentivar verdadeiras interações entre professor autor/ formador/tutor, para uma melhor compreensão da relação pedagógica nos processos formativos online
PALAVRA CHAVE : DIÁLOGO
Re: Fórum momento 1 - currículo e desenho didático
Muito legal, Maria Olívia! Você fez uma síntese muito interessante e apresenta, com argumentos teoricamente consistentes, a relevância da perspectiva dialógica para a implantação de cursos online que de fato ecoem na subjetividade dos participantes (formadores e formandos).
Após esta relevante contribuição da Maria Olívia para todo o grupo deixo aqui um convite para todos os participantes deste fórum: pensar em ações concretas que poderiam ajudar a viabilizar a implantação de cursos online erguidos em meio ao enfoque dialógico.
Abraço
Lucila
Re: Fórum momento 1 - currículo e desenho didático
Gostaria de chamar a atenção para algo que, a meu ver, precede ou está implicado, a construção pedagógica de um curso.
Como apontado nos textos e tb no podcast, a pergunta inicial não está no como, mas no porque.
Entendo que o "porque" possibilite iniciarmos um pensar ações concretas contextualizadas e fundamentadas para o fazer pedagógico (e/ou instrucional), como a Lucila bem esclareceu ao falar da relação entre instrucionismo e construcionismo. O que vcs pensam sobre isso?
Bjs
Dri
Re: Fórum momento 1 - currículo e desenho didático
Dri, sua colocação é intrigante e pertinente a este debate. Ao enfatizar o “por que?”, você coloca o foco nos “motivos” e “objetivos” de uma formação, bem como no seu contexto. Na medida em que eles sejam bem explicitados e compreendidos, o desenho didático emerge em resposta às necessidades especificadas, de uma forma clara. Os recursos e estratégias didáticas se imbricam para dar conta de atividades mais reflexivas ou mais instrucionais. Até aí, acho que tudo pode funcionar direitinho. O problema está nos “pacotes fechados”, nos “modelos prontos”, nos “roteiros pré-definidos”. O texto do Marco, disponível neste módulo 1, aborda esta questão, ao sugerir que o sujeito da formação supere a condição de consumidor e assuma a posição participativa e criativa. Para o desenvolvimento de desenho didático, no qual o docente tem o papel de “arquiteto de percursos” é necessário flexibilizar o uso dos recursos e ferramentas de um AVA, por exemplo, durante a implementação de uma formação. Neste sentido, essa formação se reveste da metodologia da pesquisa-formação. Nela, por exemplo, os recursos disponíveis podem ser repensados, nos seus aspectos funcionais, como suporte a movimentos intersubjetivos e intrasubjetivos. Aluno e professor aprendem juntos. O que acham?
Bj, Ana
Re: Fórum momento 1 - currículo e desenho didático
Ainda tendo como base a palavra-chave DIÁLOGO exposta pela professora Olívia, volto a discussão sobre o instrucionismo e construcionismo.
Adriana lembra que a questão não está no como mas sim no porque, aí me arrisco a complementar. Os programas instrucionistas tem a base no “ensino”, que quer um “aprendende” passivo, totalmente receptivo, sem conflitos, um sujeito que obedece a regra, a forma e apenas “aprende”.
Humberto Maturana diz que estar vivo significa modificar-se estruturalmente e que sistemas autopoiéticos são sistemas “auto-organizantes” caracterizados pela autonomia, circularidade e auto-referência, é esse o sujeito que aprende e que é morto nos modelos autoinstrucionistas. Tendo essa reflexão como referência, digo, afirmo que o porque está naquilo que é mais fácil, que é sistemático, que se institui com um molde e apenas se replica, copia, o modelo instrucionista funciona como um “templete”, basta preencher e escolher o molde. Por isso que é difícil fazer o ensino on line com base dialógica... dá trabalho, exige conhecimento complexo, muito estudo, muita dedicação, ou melhor formação docente permanente, continuada no sentido de darmos conta dos paradigmas atuais.
Papert afirma que para o intrucionismo a melhor aprendizagem decorre do "aperfeiçoamentodo ensino" enquanto o construcionismo não nega o valor da instrução mas coloca a atitude construcionista como um paradoxo que tem a meta de "produzir a maior aprendizagem a partir do mínimo ensino".
Assim, concordo plenamente com a professora Olívia ao afirmar que os autores propostos (Freire, Bakthin e Habermas) “enfatizam a linguagem e o diálogo em oposição a perspectiva monológica que rejeita o caráter relacional e de intersubjetividade” dos sujeitos que constituem o processo educativo on line” (MATOS, 2009).
Por isso os desenhos didáticos devem corroborar com uma proposta que possibilite a comunicação ativa e reativa, a interatividade, a mediação permanente, o exercício da aprendizagem nas zonas de desenvolvimento proximal dos sujeitos, isto é, que garantam um processo de aprendizagem e ensinagem dialógico.
UFF... falei demais... rssss...
Re: Fórum momento 1 - currículo e desenho didático
Mary, você não falou demais não. Falar demais, para mim, é "encher linguiça".
Sua narrativa, ao contrário, vem crivada de considerações reflexivas teoricamente consistentes e muito oportunas para mergulharmos no universo de investigação, a partir do convite feito pelos brilhantes apontamentos da Olívia, pelas relevantes ponderações da Renata e pelas pertinentes questões da Adriana e do Fernando. Obrigada por sua primorosa contribuição.
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Lucila
Re: Fórum momento 1 - currículo e desenho didático
Caros colegas pesquisadores, as ricas considerações trazidas para este fórum de discussão e o esforço de síntese de muitos de vocês convidam ao apontamento de duas questões atinentes ao vídeo "Casa de máquinas" (Porta Curta Petrobrás):
1) Por que razão o inserimos nesta arena de discussão sobre a relação entre concepções curriculares e desenho didático de cursos online?
2) Que possíveis relações podem ser estabelecidas?
Abraço
Lucila
Re: Fórum momento 1 - currículo e desenho didático
Pessoal, soube esta semana pelo Marco que o texto da Mea e dele sobre desenho didático, publicado na Revista Em Aberto, já está no ar. Por isso, o inseri na nossa sugestão de leituras do momento 1. Quem quiser conferir, o pdf já está prontinho para download.
Abração
Lucila