Fonte: http://www.eca.usp.br/nucleos/ntc/ae14.htm
(pesquisa realizada em março/2003)



TV interativa


A grande polêmica que se desenvolve hoje nos meios informáticos é a de quem prevalecerá na competição entre a TV interativa e os micros com set top box. Este pequeno dispositivo que é acoplado ao PC pode transformá-lo num aparelho que recebe também imagens televisivas, englobando definitvamente a TV à parafernália multimediática, em que rapidamente se transformaram nossos escritórios, nossas salas de trabalho, nossos domicílios. A TV poderia, assim, ser dotada de um teclado que enviaria mensagens à tela, e não apenas de um dispositivo como controle remoto, tipo binário, que só poderia falar "sim" ou "não". Da mesma forma, da TV poderia ser disparada uma ordem para a impressora reproduzir instantaneamente e em cores imagens televisionadas. Isso significa que nosso velho aparelho de recepção de imagens estaria condenado à extinção, indo a massa do público espectador migrar para o monitor do PC e para seus maravilhosos mundos coloridos e interativos.

Essa discussão permeou o debate desta edição do Atrator. A informação e o entretenimento na era eletrônica estão se tornando cada vez mais imaterais, seu suporte está perdendo terreno. Isto quer dizer que, em breve, poderemos já não ter a materialidade que veicula essas mensagens. Ou seja, um jornal não precisará mais de papel para transmitir notícias. "Afinal", dizem os empresários do ramo, "nosso negócio não é vender papel"... Sim, mas a coisa não é tão simples, pois suprimir a materialidade significa caminhar cada vez mais para um mundo de puras abstrações e devaneios concretizados e industrialmente vendidos.

Há, de outro lado, aqueles que advogam que a materialidade jamais desaparecerá, que um livro não será substituído pelo livro eletrônico, lido via notebook, de que "o automóvel não substitui a bicicleta", dizem os empresários do setor na última Feira do Livro de Frankfurt. Não substituiu, mas não se pode dizer que não a suplantou, reduzindo-a a meio de transporte de uso restrito e de curtas distâncias, secundarizado pela poderosa indústria automobilística.

No que se refere à interatividade, a discussão hoje é se esses equipamentos de fato promovem-na, levando as pessoas a participarem amplamente da comunicação. No estado atual das coisas, ainda se está muito longe disso. No máximo, consegue-se que o receptor comunique ao canal emissor sua opção de compra, seus gostos jornalísticos ou seu programa preferido. Ou seja, o telespectador ainda está regelado à condição de mero consumidor, não tendo tecnicamente condições de exercer plenamente seu direito de participar, opinar e criticar.

Ao lado disso, o antigo problema do controle das redes volta à ordem do dia. Não apenas pelas intenções um tanto quanto anacrônicas de Al Gore (vice-presidente dos EUA), no sentido de ressuscitar as políticas de policiamento, buscando controlar o incontrolável da Internet. As redes hoje colocam o problema do poder de uma forma inteiramente inusitada: sendo elas mais poderosas e ao mesmo tempo não controláveis pelos grandes Estados nacionais, quem pode arbitrar sobre seu uso e influência?

O tema é retomado em pelo menos dois outros workshops: um, sobre gerenciamento da inteligência, outro, sobre novas formas de controle. A discussão sobre TV interativa acabou precedendo também uma outra discussão do grupo NTC, a saber, a da relação de toda essa avalanche de inovações tecnológicas com o Brasil (ver AE 22). A tentativa foi a de dar uma resposta à sempre novamente colocada pergunta (!): "afinal, o que isso tem a ver com o Brasil?" Sem dúvida tem, e muito. Não só as grandes cidades brasileiras já estão 'forradas' de equipamentos de computação, fax, multimedia, CD-ROM etc, mas também as populações de estados mais distantes e menos ricos. O Bye-bye Brasil atualizou drasticamente a velha imagem equivocada que ainda se tinha de um Deus e o Diabo na terra do Sol.

A discussão percorreu vários caminhos diferentes, todos, contudo, centrados na reflexão sobre os efeitos da inovação tecnológica dentro da nossa cultura. Não são poucos, não são desprezíveis. E, em sua maior parte, são desconhecidos, pelo menos em seus efeitos a médio e longo prazo.

As tecnologias mudaram nossos padrões de vida e de pensamento. Alteraram o estatuto da arte e da experiência estética, provocaram a ruína das velhas ideologias e o desmoronamento de grandes blocos políticos. O mundo já não é o mesmo depois da eletrônica. Todos temos que nos dar conta disso. Principalmente porque essa reformulação irá nos colocar em breve problemas para os quais não estávamos preparados, ou para os quais todos nossos modelos anteriores estão irremediavelmente ultrapassados.

Por isso, estes debates no Atrator estranho, cuja única aspiração é a de discutir e produzir conhecimento para uma época de alta velocidade, saber este tão instável, transitório e dinâmico como as próprias tecnologias. Cabe, portanto, adequar-se a este ritmo para não ser tragado pelas ondas da sociedade que está se articulando após o fim da modernidade.

Texto integral: vide fonte.

Última atualização: sábado, 2 abr 2011, 02:34