Conclusão

Procuramos mostrar ao longo do texto que as TIC não são apenas meros instrumentos para se comunicar este ou aquele conteúdo, mas que, na medida em que favorecem determinados processos de aquisição e de exploração do saber e da aprendizagem, interaccionam com estrutura cognitiva dos sujeitos e com a estrutura das organizações.

A tecnologia dos bits trouxe-nos o ambiente da comunicação virtual, a possibilidade de aceder ao mundo das informações e de estabelecer relações interpessoais e colaborativas. Estabelecem uma espécie de retorno ao tempo tribal em que o saber era construído por comunidades vivas, só que agora o território destas comunidades é o ciberespaço, um novo espaço onde o indivíduo pode descobrir e construir os seus saberes de forma personalizada e partilhada. Em termos educacionais, a tecnologia dos bits permite-nos pensar e renovar a escola em comunidades de aprendizagem.

Estamos conscientes que desenvolvemos uma perspectiva optimista em relação à intervenção da tecnologia na sociedade e na educação. No entanto, devemos estar alertados para a complexidade do processo, que não é tão simples como possa parecer. No ciberespaço joga-se um conflito permanente entre libertação e dominação e a imagem do deus romano Janus ocorreu-nos há já algum tempo para assinalar estas duas tendências contraditórias. Ou seja, ao valorizarmos o contributo das novas tecnologias para a criação de uma cultura convivial, acentuando a noção de colaboração e de estabelecimento de relações interpessoais participativas, tal não significa que se deva neglicenciar outras visões mais pessimistas, como o aumento do sedentarismo, a debilitação da comunicação sensório-afectiva, o reforço da estratificação social e da centralização, anunciando o fim do social, como sugere Gubern (1987). Visões próprias de um tipo de cultura e de um modelo societário de tipo fortaleza (Santos, 1994) onde prevalecem relações despóticas, um reforço da norma em detrimento da participação e da autonomia do indivíduo. Por isso é que consideramos que a mera existência das novas tecnologias não garante, por si só, um quadro de efectiva descentralização e de diversificação dos centros de difusão, bem como a liberdade de circulação na rede. O poder inovador das novas tecnologias, quando utilizadas no âmbito de uma cultura convivial, tem assustado demasiado alguns governos, surgindo indícios da constituição de uma aliança trinitária política-finanças-medias para controlar o fluxo informativo, o acesso aos programas e a liberdade dos cidadãos. A sua concretização exige, por isso, a mobilização das vontades dos cidadãos, pois estamos perante um verdadeiro projecto, não obstante as inquietações que lança, concebido para a realização de um espaço comunicativo à medida do indivíduo e da cidade comunitária.

Ponderadas estes dilemas e tendo perante as TIC uma atitude de maioridade [1] , consideramos que as características das actuais TIC proporcionam um espaço de profunda renovação da escola, permitindo pensá-las escola como uma verdadeira comunidade de aprendizagem. Para o sistema educativo e seus agentes reside aqui o grande desafio: compreender a chegada do tempo destas tecnologias que permitem passar de um modelo que privilegia a lógica da instrução, da transmissão e memorização da informação para um modelo cujo funcionamento se baseia na construção colaborativa de saberes, na abertura aos contextos sociais e culturais, à diversidade dos alunos, aos seus conhecimentos, experimentações e interesses.

No entanto, as tecnologias, só por si, não fazem a mudança. A prática e as investigações mostram que as tecnologias asseguram apenas uma parte do vasto pacote do processo de mudança. Se a escola não se reestruturar face às implicações das tecnologias e não possuir professores competentes, não existe tecnologia alguma que resolva os problemas. As tecnologias podem mudar a forma como as competências são exercidas, mas não podem transformar um "mau" professor num "bom" professor.


 


[1] Terminologia que retoma as duas lógicas de uso, identificadas por Simondon (1969), sobre o modo de relação a ter com a tecnologia. Nesta linha, Silva (1999) considera que a lógica de uso de maioridade é marcada por uma atitude reflectida, baseada na análise do saber da natureza discursiva e racional do conhecimento tecnológico; por uma racionalidade comunicativa, examinando objectivamente aquilo que as tecnologias nos oferecem para modificar a escola e as práticas pedagógicas; por uma complementaridade entre a riqueza informativa e comunicacional proporcionada pelo ambiente da comunicação virtual e a riqueza dos processos de significação favorecidos pela dimensão sensório-afectiva-social da comunicação presencial. Lógica que contrasta com a atitude oposta correspondente a um uso de menoridade por depender apenas de um saber técnico implícito, intuitivo e regido pelo hábito, por uma racionalidade instrumental, como um fim em si mesmo.