O pensamento de Bento Silva
Neste Livro Bento Silva, docente do PPGE da Universidade do Minho de Portugal, apresenta sua inquietação neste Módulo 1. Mais do que apresentar suas abordagens, sua reflexão amadurecia em suas pesquisas, neste Livro quer motivar o debate sobre educação e cibercultura. Sua principal indagação é: "
"assim como a tecnologia da escrita deu origem ao aparecimento da escola, as actuais Tecnologias da Informação e Comunicação contêm potencial para renovar a escola? Quais são as características dessas tecnologias e quais são as repercussões organizacionais e curriculares que proporcionam?"
Na nossa opinião, as tecnologias da informação e da comunicação por si só não possuem potencial para renovar a escola. Sem dúvida essas exercem papel essencial na emergência das redes digitais na sociedade global, desinstalando velhas qualificações, criando novos perfis profissionais, gerando habilidades e competências que trazem novas exigências para a inserção dos indivíduos na sociedade e conseqüentemente mais desafios para as escolas. O avanço tecnológico aponta para alterações nos processos comunicacionais e educacionais de aprendizagem e para a ampliação e inserção da cultura tecnológica nas práticas pedagógicas. Neste novo cenário onde as TICs definem as relações produtivas, as escolas devem rever seus conceitos e procurar formar adequadamente os seus profissionais docentes pois o importante para a escola não deve ser apenas o acesso dos alunos às informações, mas a sua participação na produção e apropriação dos valores que as tecnologias agregam.Novas formas de gestão e organização curricular são indispensáveis para enfrentar os desafios atuais
Quais são as características das actuais TIC?
No nosso dia-a-dia deparamos cada vez mais frequentemente com a expressão novo mundo para descrever o tipo de actividades em que estamos envolvidos com e na nova tecnologia. Nas actividades económicas, por exemplo, quem é que ainda não deparou com a expressão nova economia para caracterizar a absorção dessa mesma tecnologia ligada à informação? Também a expressão Sociedade da Informação passou a ter um uso corrente para identificar o novo tempo civilizacional.
Que tipo de tecnologia tão poderosa é esta e que características apresenta?
Trata-se de uma tecnologia marcada fundamentalmente pelo aperfeiçoamento dos microprocessadores e pela digitalização da informação, processos ocorridos desde os últimos anos da década de 80. O aperfeiçoamento dos microprocessadores trouxe mais velocidade ao processamento da informação e mais capacidade no seu armazenamento, enquanto a digitalização, já utilizada na informática mas alargada agora ao audiovisual e às telecomunicações possibilitou a compatibilidade entre os diferentes sistemas, quer sejam portadores de voz humana, textos, dados estatísticos, sons e imagens.
Em termos técnicos, estas evoluções anunciam o fim dos guetos tecnológicos, fazendo convergir a informática, o audiovisual e as telecomunicações na constituição de uma rede comunicativa universal. Em termos sociais, a noção de rede é o conceito chave que caracteriza esta nova configuração comunicativa. Este conceito significa que estamos perante um universo comunicativo em que tudo está ligado, em que o valor é dado pelo estabelecimento de uma conexão, de uma relação. A Internet, e em especial o seu sistema de informação WWW (Worl Wide Web), é o exemplo desta rede de base colaborativa.
Os novos suportes tecnológicos tornaram mais fácil o acesso à informação, nomeadamente pelo aumento da capacidade de armazenamento, pela velocidade de processamento e pela compatibilidade entre os sistemas. As actuais enciclopédias, dicionários, atlas e obras da literatura clássica podem estar contidos num único CD-ROM, enriquecidas pela combinação de texto, som e imagem. Para localizar uma informação pretendida basta fazer um toque no "botão" da referência e o artigo aparece quase-instantaneamente. Por outro lado, aspecto que reputámos de crucial importância, estes suportes estão baseados na tecnologia hipertexto/hipermédia/multimédia, exprimindo a ideia de uma escrita/leitura não linear e de uma co-autoria na construção/reconstrução do texto.
Pela Internet, ao alcance da "ponta dos dedos" do homem comunicante abre-se um mundo de informações vindas de lugares muito longínquos e por tradição fechados, como os grandes arquivos. Ao mesmo tempo, esta tecnologia permite-lhe estar simultaneamente em diferentes lugares. Deste modo, à multidimensionalidade do universo comunicativo junta-se a natureza ubiquística do indivíduo. Esta "navegação pelo ciberespaço" não se limita à obtenção de dados pelo indivíduo, mas a estabelecer uma rede de conversação, onde se trocam reclamações e compromissos, ofertas e promessas, aceitações e recusas, consultas e resoluções. Não transitam, portanto, simples informações, mas actos de comunicação onde o mundo privado da experiência pessoal daqueles que os praticam é projectado no interior do mundo interpessoal e grupal das interacções. Reside aqui a grande diferença entre o ecrã televisivo da era dos mass media e o ecrã informático das novas tecnologias: enquanto a televisão traz o mundo público para dentro de casa, o ecrã informático conectado em rede leva o mundo interior de cada indivíduo para o espaço público. Como esta conectividade é efectuada através da interfacialidade do ecrã denominámos esta nova configuração comunicacional por comunicação em ambiente virtual (Silva, 1998).
A tecnologia, para além da sua componente instrumental e técnica, pressupõe uma formulação discursiva reflectida e teórica, cujo "desenho e uso estão baseados em conhecimentos e métodos científicos e em sistemas de valores e procedimentos de avaliação que se podem considerar racionais" (Quintanilla, 1995:15). Tomando como base a distinção entre máquina, técnica e tecnologia [1] , a essência da integração das TIC em qualquer sector da sociedade, nomeadamente na educação, é constituído pela estratégia e o consequente pensamento estratégico, de modo a compreender-se o porquê dessa integração e como deve ser feita. Por estratégia educativa, entende-se a concepção de um conjunto de decisões e acções - inteligentes e criativas - para promover a realização dos objectivos propostos e proporcionar os melhores resultados (Rodrigués Diéguez, 1995). Que se pretende com as TIC? Que possibilidades de renovação da escola é que as TIC proporcionam? Do conjunto das visões integradas da actuação dos membros da comunidade educativa sobre estas e outras questões, cujas respostas não são necessariamente claras ou completas, resulta o que se entende por pensamento estratégico e que são fundamentais para formular uma estratégia de integração das TIC na educação e na escola. Tentaremos dar de seguida a nossa contribuição para este debate, não com o intuito de fornecer respostas completas como se tivéssemos a chave da solução na mão, mas para abrir pistas de reflexão para um problema em aberto pelas TIC.
[1] A máquina apresenta-se como um objecto concreto, um instrumento, certamente produto da técnica e que necessita dela para a sua concepção, produção e utilização. A técnica é, pois, uma forma humana de fazer, implica uma metodologia operacional controlada: o saber fazer com conhecimento de causa. Hierarquicamente, situa-se num nível superior ao da máquina e em certa medida é independente desta, havendo mesmo a possibilidade de existir uma técnica sem máquina. Nesta hierarquia, a tecnologia surge quando se adquire, sob o modo do logos, a compreensão de tal saber fazer, quando se acrescenta reflexão à técnica, podendo ser considerada como a teoria da técnica.