EDUCAÇÃO

Marco Silva
marcoparangole@uol.com.br

A escola não se encontra em sintonia com a modalidade comunicacional emergente. Há cinco mil anos ela se baseia no falar-ditar do mestre. A sala de aula, tradicionalmente fundada na transmissão de “A” para “B” ou de “A” sobre “B”, permanece alheia ao movimento das novas tecnologias comunicacionais e ao perfil do novo espectador. Para enfrentar o desafio de mudar essa tradição, o professor encontra no tratamento complexo da interatividade os fundamentos da comunicação que potenciam um novo ambiente de ensino e aprendizagem. Tais fundamentos mostram que comunicar em sala de aula significa engendrar/disponibilizar a participação/exploração livre e plural dos alunos, de modo que a apropriação das informações, a utilização das tecnologias comunicacionais (novas e velhas) e a construção do conhecimento se efetuem como co-criação e não simplesmente como transmissão.

O professor que busca interatividade com seus alunos propõe o conhecimento, não o transmite. Em sala de aula ele é mais que instrutor, treinador, parceiro, conselheiro, guia, facilitador, colaborador. Ele é formulador de problemas, provocador de situações, arquiteto de percursos, mobilizador das inteligências múltiplas e coletivas na experiência do conhecimento. Ele disponibiliza domínios do conhecimento para que os alunos possam construir seus mapas e conduzir suas explorações, individualmente e em cooperação, na sala de aula presencial e/ou à distância. Ele disponibiliza estados potenciais do conhecimento de modo que o aluno experimenta a criação do conhecimento quando participa, interfere, modifica. Por sua vez, o aluno deixa o lugar da recepção passiva de onde ouve, olha, copia e presta contas, para se envolver com a proposição do professor.

O professor propõe o conhecimento. Não o transmite. Não o oferece à distância para a recepção audiovisual ou “bancária” (sedentária, passiva), como criticava o educador Paulo Freire. Ele propõe o conhecimento aos estudantes, como o artista propõe sua obra potencial ao público. Isso supõe, segundo Thornburg (apud Passarelli), “modelar os domínios do conhecimento como ‘espaços conceituais’, onde os alunos podem construir seus próprios mapas e conduzir suas explorações, considerando os conteúdos como ponto de partida e não como ponto de chegada no processo de construção do conhecimento”.[1]

A participação do aluno se inscreve nos estados potenciais do conhecimento arquitetados pelo professor de modo que evoluam em torno do núcleo preconcebido com coerência e continuidade. O aluno não está mais reduzido a olhar, ouvir, copiar e prestar contas. Ele cria, modifica, constrói, aumenta e, assim, torna-se co-autor.

Exatamente como no parangolé, em vez de se ter obra acabada, têm-se apenas seus elementos dispostos à manipulação. O professor disponibiliza um campo de possibilidades, de caminhos que se abrem quando elementos são acionados pelos alunos. Ele garante a possibilidade de significações livres e plurais e, sem perder de vista a coerência com sua opção crítica embutida na proposição, coloca-se aberto a ampliações, a modificações vindas da parte dos alunos.

Uma pedagogia baseada nessa disposição à co-autoria, à interatividade, requer a morte do professor narcisicamente investido do poder. Expor sua opção crítica à intervenção, à modificação requer humildade. Mas diga-se humildade e não fraqueza ou minimização da autoria, da vontade, da ousadia.

Em sala de aula presencial ou virtual o professor não é um contador de histórias. A maneira do design de software interativo, ele constrói um conjunto de territórios a explorar, não uma rota. Mais do que “conselheiro” ou “facilitador”, ele converte-se em formulador de problemas, provocador de interrogações, coordenador de equipes de trabalho, sistematizador de experiências.

Assim o professor propõe o conhecimento à maneira do parangolé. Assim ele redimensiona a sua autoria: não mais a prevalência do falar-ditar, da lógica da distribuição, mas a perspectiva da proposição complexa do conhecimento à participação ativa dos alunos que já aprenderam com o joystick do videogame e hoje aprendem com o mouse. Enfim, a responsabilidade de disseminar um outro modo de pensamento, de inventar uma nova sala de aula, presencial e à distância, capaz de educar em nosso tempo.

Especificamente sobre educação a distância, chamo atenção para a percepção precisa e oportuna que diz: “Na verdade, reproduz-se o mesmo paradigma do ensino tradicional, em que se tem o professor responsável pela produção e pela transmissão do conhecimento. Mesmo os grupos de discussão, os e-mails, são ainda, formas de interação muito pobres. Os cursos pela internet acabam considerando que as pessoas são recipientes de informação. A educação continua a ser, mesmo com esses aparatos tecnológicos, o que ela sempre foi: uma obrigação chata, burocrática. Se você não muda o paradigma, as tecnologias acabam servindo para reafirmar o que já se faz”.[2]

Então é preciso enfatizar: seja no espaço físico entre paredes, seja no ciberespaço, a sala de aula socializa liberdade, diversidade, diálogo, cooperação e co-criação quando tem sua “materialidade da ação” baseada nestes mesmos princípios. No ciberespaço, o ambiente virtual de aprendizagem e socialização (fórum, chat e outras ferramentas disponibilizadas no site de um curso que possibilitam interatividade on-line) pode pautar-se em tais princípios. Assim, promove integração, sentimento de pertença, trocas, crítica e autocrítica, discussões temáticas e elaborações colaborativas, como exploração, experimentação e descoberta. E quando ao velho ambiente presencial de aprendizagem e socialização, nele a “materialidade da ação” é a mesma: “ética da tolerância” e interatividade. Num e noutro ambiente caberá, em particular, à autoria do professor propiciar sua própria produção ou a sua construção.

 

[1] THORNBURG apud PASSARELLI, Brasilina, “Hipermídia e a educação: algumas pesquisas e experiências”, Contexto & Educação, Ijuí (RS), nº 34, ano 8, out../dez., 1993, p. 66.
[2] BLIKSTEIN, Paulo. “Novas tecnologias podem escravizar o homem”, Jornal do Brasil, 18/02/2001, caderno Educação & Trabalho, p.1s.

 

COMUNICAÇÃO

Um novo cenário comunicacional ganha centralidade. Ocorre a transição da lógica da distribuição (transmissão) para a lógica da comunicação (interatividade). Isso significa modificação radical no esquema clássico da informação baseado na ligação unilateral emissor-mensagem-receptor:

· O emissor não emite mais no sentido que se entende habitualmente, uma mensagem fechada, ele oferece um leque de elementos e possibilidades à manipulação do receptor.

· A mensagem não é mais "emitida", não é mais um mundo fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado, ela é um mundo aberto, modificável na medida em que responde às solicitações daquele que a consulta.

· O receptor não está mais em posição de recepção clássica, ele é convidado à livre criação, e a mensagem ganha sentido sob sua intervenção.


Interatividade é um conceito de comunicação e não de informática. Pode ser empregado para significar a comunicação entre interlocutores humanos, entre humanos e máquinas e entre usuário e serviço. No entanto, para que haja interatividade é preciso garantir duas disposições basicamente:

1. A dialógica que associa emissão e recepção como pólos antagônicos e complementares na co-criação da comunicação;

2. A intervenção do usuário ou receptor no conteúdo da mensagem ou do programa abertos a manipulações e modificações.


Estas disposições refletem “uma mudança fundamental no esquema clássico da comunicação”, uma mudança paradigmática na teoria e pragmática comunicacionais. A mensagem só toma todo o seu significado sob a sua intervenção. Ele se torna, de certa maneira, criador. Enfim, a mensagem que agora pode ser recomposta, reorganizada, modificada em permanência sob o impacto das intervenções do receptor dos ditames do sistema, perde seu estatuto de mensagem ‘emitida’. Assim, parece claramente que o esquema clássico da informação que se baseava numa ligação unilateral emissor-mensagem-receptor, se acha mal colocado em situação de interatividade”.[1]

 

[1] MARCHAND, Marie. Les paradis informationnels – du Minitel aox services de commmunication du futur. Paris: Masson, 1986, p. 9s. Ver também: Marco SILVA, “Interatividade: uma mudança fundamental do esquema clássico da comunicação”, Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 23, nº 3, set./dez., 2000, p. 19-27.

MÍDIA CLÁSSICA

A inquietação é visível entre empresários e programadores de tv quando os mais antenados anunciam que daqui a dez anos vai parecer absurdo ter um aparelho de tv em casa pelo qual não se possa enviar nada, apenas receber. Então investem no treinamento das equipes de profissionais que terão que se adaptar à linguagem digital. E, de imediato, procuram desenvolver alternativas interativas em seus programas para enfrentar a concorrência da internet e atender o novo espectador.

Eles percebem que um programa interativo na tv deve permitir que os telespectadores definam o rumo que ele toma, que a passividade da tv significa perda progressiva de audiência, e que o espectador tende a permanecer ligado ou conectado se puder participar da programação. Tudo isso, traduzido em estratégias que articulam emissão e recepção, garante a “audiência” e prepara o casamento inevitável da tv com a internet. Ocasião em que o indivíduo não dependerá mais do velho aparelho analógico de tela estática e intransponível. Ele poderá abrir janelas móveis e tridimensionais e adentrar à procura de mais informações e comunicação, quando estiver assistindo a um noticiário ou a uma partida de futebol.

A inquietação dos empresários e programadores de tv diante da interatividade não encontra eco na escola e nos sistemas de ensino. É preciso despertar o interesse dos professores para uma nova comunicação com os alunos em sala de aula presencial e virtual. É preciso enfrentar o fato de que tanto a mídia de massa quanto a sala de aula estão diante do esgotamento do mesmo modelo comunicacional que separa emissão e recepção.

TECNOLOGIAS DIGITAIS

As tecnologias digitais renovam a relação do usuário com a imagem, com o texto, com o conhecimento. São de fato um novo modo de produção do espaço visual e temporal mediado. Elas permitem o redimensionamento da mensagem, da emissão e da recepção. Na modalidade comunicacional massiva (rádio, cinema, imprensa e TV), a mensagem é fechada uma vez que a recepção está separada da produção. O emissor é um contador de histórias que atrai o receptor de maneira mais ou menos sedutora e/ou impositora para o seu universo mental, seu imaginário, sua récita. Quanto ao receptor, seu estatuto nessa interação limita-se à assimilação passiva ou inquieta, mas sempre como recepção separada da emissão.

Na modalidade comunicacional interativa permitida pelas novas tecnologias informáticas, há uma mudança significativa na natureza da mensagem, no papel do emissor e no estatuto do receptor. A mensagem torna-se modificável na medida que responde às solicitações daquele que a consulta, que a explora, que a manipula. Quanto ao emissor, este assemelha-se ao próprio designer de software interativo: ele constrói uma rede (não uma rota) e define um conjunto de territórios a explorar; ele não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto de territórios abertos a navegações e dispostos a interferências e modificações, vindas da parte do receptor. Este, por sua vez, torna-se “utilizador”, “usuário” que manipula a mensagem como co-autor, co-criador, verdadeiro conceptor.

Essa mudança estrutural da pragmática comunicacional não ocorre simplesmente porque o computador tornou-se conversacional. Neste caso, o que se pode dizer é que o computador conversacional é o marco definitivo dessa modificação paradigmática da comunicação.

É reducionismo dizer que a evolução tecnológica e conceptual do computador conversacional é resultado do investimento capitalista em diversificação e sofisticação do produto (computadores) para conquistar mais mercado. Para evitar tal reducionismo é preciso considerar que a tendência geral da sociedade é a informação, a comunicação – como sustentam os teóricos da “sociedade de informação” –, e que a sociedade transita da lógica da distribuição para a lógica da comunicação. Considerando-se esse horizonte mais amplo, pode-se ter como previsível e indexado o investimento maciço dos capitalistas em comunicação, em informação. Daí tornar-se igualmente previsível e indexada a evolução das tecnologias de comunicação que passam a disponibilizar um mais comunicacional, ou seja, tornando-se conversacionais, interativas. Portanto, quando a tendência do social é a informação, a comunicação, quando os investimentos em novas tecnologias comunicacionais são cada vez mais intensos, e quando essas tecnologias evoluem para o mais comunicacional, tem-se aí as bases de uma modificação estrutural da comunicação e não simplesmente do computador conversacional engendrado pelo capitalismo, simplesmente, como causa e efeito.

As tecnologias digitais tendem, por sua vez, a contemplar as disposições da nova recepção. Elas permitem a participação, a intervenção, a bidirecionalidade e a multiplicidade de conexões. Elas ampliam a sensorialidade e rompem com a linearidade e com a separação emissão/recepção. Sua disposição à interatividade permite ao usuário ser o ator, ser o autor, “cujas capacidades imaginativas e criativas podem se revelar de uma complexidade, de uma riqueza notáveis, sem lhe proibir nem a contemplação nem a meditação”.[1] Sua disposição interativa permite que em seu passeio livre, o espectador possa “organizar sua própria duração e o conteúdo do seu programa. (...) Cada um estabelecendo seu próprio discurso na profusão de possíveis será o detentor de uma combinatória única.”[2] Cada um podendo ver, ouvir, ler, gravar, voltar atrás, ir a diante, enviar, receber e modificar conteúdos e mensagens entendidos como espaços de intervenção, de negociação inacabados. Cada um experimentando não mais a disjunção da emissão/recepção, mas a co-autoria.

 

[1] COUCHOT. Edmond. “A arte pode ainda ser um relógio que adianta? O autor, a obra e o espectador na hora do tempo real”. In: DOMINGUES, Diana (org.). A arte no século XX: a humanização das tecnologias. São Paulo: UNESP, 1997, p. 142.
[2] RABATÉ, François & LAURAIRE, Richard. “L’interactivité saisie par le discours’. In: Bulletin de l’IDATE. Paris: Centro Georges Pompidou, julho/1985, nº 20, p. P. 57.

ARTE

Mesmo tão associada ao computador e à internet, é preciso insistir: interatividade é um conceito de comunicação e não de informática. Antes do computador conversacional é possível encontrar a expressão mais depurada do termo na arte “participacionista”[1] da década de 1960, definida também como “obra aberta”[2]. O que permite garantir que interatividade não é uma novidade da era digital.

Na modalidade comunicacional interativa permitida pelas novas tecnologias informáticas, há uma mudança significativa na natureza da mensagem, no papel do emissor e no estatuto do receptor. A mensagem torna-se modificável na medida que responde às solicitações daquele que a consulta, que a explora, que a manipula. Quanto ao emissor, este assemelha-se ao próprio designer de software interativo: ele constrói uma rede (não uma rota) e define um conjunto de territórios a explorar; ele não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto de territórios abertos a navegações e dispostos a interferências e modificações, vindas da parte do receptor. Este, por sua vez, torna-se “utilizador”, “usuário” que manipula a mensagem como co-autor, co-criador, verdadeiro conceptor.

Essa mudança estrutural da pragmática comunicacional não ocorre simplesmente porque o computador tornou-se conversacional. Neste caso, o que se pode dizer é que o computador conversacional é o marco definitivo dessa modificação paradigmática da comunicação.

É reducionismo dizer que a evolução tecnológica e conceptual do computador conversacional é resultado do investimento capitalista em diversificação e sofisticação do produto (computadores) para conquistar mais mercado. Para evitar tal reducionismo é preciso considerar que a tendência geral da sociedade é a informação, a comunicação – como sustentam os teóricos da “sociedade de informação” –, e que a sociedade transita da lógica da distribuição para a lógica da comunicação. Considerando-se esse horizonte mais amplo, pode-se ter como previsível e indexado o investimento maciço dos capitalistas em comunicação, em informação. Daí tornar-se igualmente previsível e indexada a evolução das tecnologias de comunicação que passam a disponibilizar um mais comunicacional, ou seja, tornando-se conversacionais, interativas. Portanto, quando a tendência do social é a informação, a comunicação, quando os investimentos em novas tecnologias comunicacionais são cada vez mais intensos, e quando essas tecnologias evoluem para o mais comunicacional, tem-se aí as bases de uma modificação estrutural da comunicação e não simplesmente do computador conversacional engendrado pelo capitalismo, simplesmente, como causa e efeito.

As tecnologias digitais tendem, por sua vez, a contemplar as disposições da nova recepção. Elas permitem a participação, a intervenção, a bidirecionalidade e a multiplicidade de conexões. Elas ampliam a sensorialidade e rompem com a linearidade e com a separação emissão/recepção. Sua disposição à interatividade permite ao usuário ser o ator, ser o autor, “cujas capacidades imaginativas e criativas podem se revelar de uma complexidade, de uma riqueza notáveis, sem lhe proibir nem a contemplação nem a meditação”.[1] Sua disposição interativa permite que em seu passeio livre, o espectador possa “organizar sua própria duração e o conteúdo do seu programa. (...) Cada um estabelecendo seu próprio discurso na profusão de possíveis será o detentor de uma combinatória única.”[2] Cada um podendo ver, ouvir, ler, gravar, voltar atrás, ir a diante, enviar, receber e modificar conteúdos e mensagens entendidos como espaços de intervenção, de negociação inacabados. Cada um experimentando não mais a disjunção da emissão/recepção, mas a co-autoria. O “parangolé” do artista plástico carioca Hélio Oiticica (1937-1980) é um exemplo maravilhoso de explicitação dos fundamentos da interatividade. O parangolé rompe com o modelo comunicacional baseado na transmissão. Ele é pura proposição à participação ativa do “espectador” – termo que se torna inadequado, obsoleto. Trata-se de participação sensório-corporal e semântica e não de participação mecânica. Oiticica quer a intervenção física na obra de arte e não apenas contemplação imaginal separada da proposição. O fruidor da arte é solicitado à “completação” dos significados propostos no parangolé. E as proposições são abertas, o que significa convite à co-criação da obra.

O indivíduo veste o parangolé que pode ser uma capa feita com camadas de panos coloridos que se revelam à medida que ele se movimenta correndo ou dançando. Oiticica o convida a participar do tempo da criação de sua obra e oferece entradas múltiplas e labirínticas que permitem a imersão e intervenção do “participador”, que nela inscreve sua emoção, sua intuição, seus anseios, seu gosto, sua imaginação, sua inteligência. Assim a obra requer “completação” e não simplesmente contemplação. Segundo o próprio Oiticica, “o participador lhe empresta os significados correspondentes - algo é previsto pelo artista, mas as significações emprestadas são possibilidades suscitadas pela obra não previstas, incluindo a não-participação nas suas inúmeras possibilidades também”.[3]

Esta concepção de arte ou “antiarte”, como preferia Oiticica, inconcebível fora da perspectiva da co-autoria, tem algo a sugerir ao professor. Mesmo estando adiante dos seus alunos no que concerne a conhecimentos específicos, propor a aprendizagem na mesma perspectiva da co-autoria que caracteriza o parangolé.

O princípio interativo presente no parangolé pode estar presente também na arte interativa off-line e on-line consiste na “diferença sob um ponto de vista técnico, entre os dispositivos interativos fechados ou autônomos (off-line) e os dispositivos abertos ou interconectados em rede (on-line)”. Na arte off-line o espaço delimitado pelo espectador e pela aparelhagem numérica comporta os acontecimentos produzidos nas relações entre o espectador e a obra. Na arte on-line o ciberespaço, a rede são o território aberto à interconectividade entre obra e espectador numa relação dual e/ou na coletividade de participantes através da obra.

Especificamente sobre arte interativa on-line, cito Gilberto Prado que diz: “Na rede, a função do artista coordenador, ‘condutor’ do projeto, é convidar a sonhar junto, colocar as peças geralmente sem a possibilidade de as escolher. (...) o artista implicado como ‘condutor’ de uma obra coletiva deve ser capaz de considerar os imprevistos desse ou daquele lugar, dessa ou daquela situação. (...) Os trabalhos na rede chegam um após outro e vão se recompondo. (...) As seqüências são um tipo de colagem efêmera que existe no tempo da ação”.[4]

 

[1] COUCHOT, Edmond. “A arte pode ainda ser um relógio que adianta? O autor, a obra e o espectador na hora do tempo real”, A arte no século XXI: a humanização das tecnologias. DOMINGUES, D. (org.). São Paulo: FAPESP, 1997, p. 136s.
[2] ECO, Umberto. Obra aberta, São Paulo, Perspectiva, 1976.
[3] OITICICA, Hélio, Aspiro ao grande labirinto. (Seleção de textos), Rio de Janeiro, Rocco, 1996, p. 70s.

[4] “Dispositivos interativos: imagens em redes telemáticas”. In: DOMINGUES, Diana. Op. cit., p. 299s. Veja esse artista: http://itaucultural.org.br/desertesejo. Conheça também o site www.itaucultural.org.br que mostra o parangolé de Oiticica.

MERCADO

Estando a configuração info-tecnológica estabelecida como progresso rumo à interatividade, resta saber como as empresas podem lançar mão da nova modalidade comunicacional como estratégia para fazer chegar ao indivíduo a oferta de seus produtos e serviços (comércio eletrônico). Considerando que “a interatividade vem articular uma dimensão científico-tecnológica e uma dimensão tecnocomercial (no sentido do desenvolvimento dos serviços)”[1], e que o progresso das tecnologias da informação está estreitamente vinculado ao investimento das empresas capitalistas avançadas, vale verificar de que modo essas empresas podem lançar mão da interatividade para servir a seus objetivos mercadológicos. Ou, vale verificar de que modo o mais comunicacional disponibilizado pela esfera tecnológica será apropriado pela esfera mercadológica como “argumento de venda”.[2]

A tecnologia já tornou realidade o produto interativo, o infoproduto. Ele circula no mercado eletrônico via telemática ou ciberespaço ou Internet[1]. O computador em rede, enquanto media bidirecional, permite o diálogo entre consumidor e oferta. Sua tecnologia avançada permite a disponibilização do produto como “ponto” tridimensional que, por sua vez, permite ao consumidor o acesso como experiência de adentramento, de imersão. Nos media de massa o produto se apresenta ao consumidor como na lógica da distribuição, ou seja, se apresenta como emissão, restando ao consumidor a tarefa da recepção e consumo passivos. Na telemática o consumidor não permanece passivo como receptor, mas como “indivíduo-teleintra-atuante”. Em interface com o produto, ele é um operador não mais um receptor.

Nessa condição tecnológica sui generis, ...o infoproduto ou o conteúdo de qualquer ‘ponto’ na rede... é apenas um suporte, na realidade um pretexto, para a instauração [pelo indivíduo teleintra-atuante] de algo maior, este sim o verdadeiro produto, a saber: a experiência concreta que se elabora no processo de interatividade personalizada com o infoendereço acessado.
[3]

Marchand tinha claro que “os instrumentos de marketing interativo dão ao consumidor uma melhor tomada sobre a mercadoria”, que eles ajudam a defini-la, a precisar seus contornos comerciais. Tinha claro que tais instrumentos permitem “uma relação de concepção mais direta entre consumidor e a mercadoria”; que eles permitem “a garantia de uma real adequação entre o produto e seu uso”.

É tudo isso e somente isso que está em jogo no conceito [de marketing interativo]. Oferecer ao consumidor a possibilidade efetiva de intervir no processo de criação do produto, eis a aposta. (...) Assim a mercadoria será mais estreitamente combinada a uma lógica de comunicação, depois de ter sido fortemente associada uma lógica de distribuição no século XX e a uma lógica de produção no século XIX.
[4]

O cliente vem se aculturando no universo da informática e da interatividade desde o controle remoto e o videogame. Vem, como tratarei em seguida, configurando-se “em rede” e assimilando, na “sociedade de informação”, o perfil de “teleinteragente”. Caberá, portanto, os bancos, às empresas, prepararem-se para o “diálogo” com ele. Terão que ir além do marketing interativo sugerido por M. Marchand. Terão que investir mais em tecnologias interativas. Mesmo que jamais deixem de considerar a interatividade como “argumento de vendas” apenas, ou como “magia” que faz o cliente chegar à oferta redimensionada de seus produtos e serviços.

 

[1] RABATÉ, F. & LAURAIRE, R. “Interactivité saisie par le discours”. Op. cit, 38
[2] Idem, ibidem, p. 39. A expressão “argumento de venda”, usada como definição irônica da interatividade, é citada entre aspas pelos autores Rabaté e Lauraine. Eles não fornecem a fonte, mas fica subentendido que extraíram tal formulação do ambiente teórico que marcava o debate sobre interatividade em meados da década de 80 na França. Eles não assumem tal conotação pejorativa (“fabrica adesão”, “produz opinião pública”, “prepara espíritos”, como “objeto publicidade”, ou como “ideologia”, entendida como “domínio das crenças unificatórias, estabilizatórias que tem em parte por meta mascarar conflitos internos” e, neste caso, pode fabricar uma nova legitimação em um contexto de crise do capitalismo e da democracia” – p. 63.).
[3] TRIVINHO, E. “As estruturas do cyberspace: crítica da nova comunicação”. São Paulo: ECA-USP-NTC, 1998, p. 103.
[4] MARCHAND, Marie. Les paradis comunicacionnels: du Minitel aox services de communication du futur. Paris: Masson, 1986, p. 46s.

SOCIEDADE

Há uma percepção muito oportuna de H. Vianna que diz: “Até o início dos anos 80 era fácil definir o pop como tudo aquilo que a massa considerava prioritário na sua lista de consumo cultural. Pop era Michael Jackson, pop era ET, pop era uma calça Levi´s 501. Bons tempos aqueles. Tempos básicos de uma simplicidade comovente.” Hoje, por mais que se esforce, a indústria pop ou indústria cultural não consegue mais garantias de adesão massiva aos seus megaprodutos. “Quem comprou seus últimos discos? Michael Jackson era um ídolo de massa. A massa era o seu mundo encantado (e ninguém parecia ter maior conhecimento sobre os desejos da massa), um mundo que ruiu repentina e surpreendentemente...” Para Vianna vivemos a era do “pop pós-massa” que se define não mais pela “homogeneização do gosto de todos os povos”. O que define essa nova era é a “proliferação de grupelhos com interesses e estilos tão diversificados, que impede a produção daquele ‘aconchegante’ máximo denominador comum do pop”. [1] Ou seja, há um novo perfil do social que remete a um novo perfil do consumo, cada vez mais gigantesco e superpermercadológico, mas diversificado. Diversificado o consumo, diversificado o social.

Esta percepção é oportuna porque, na objetividade de sua formulação, permite visualizar o jogo recursivo das esferas mercadológica e social, e a emergência da interatividade nesse jogo. Ao mesmo tempo a proliferação de segmentos sociais com seus interesses e estilos diversificados, e a gigantesca oferta de produtos diversificados para atender à demanda e para criar demanda. Quanto à emergência da interatividade, ela torna-se evidente ao observar-se que estando o consumidor não mais submetido ao produto desenhado para a massa, ele expressa livremente seus interesses e estilos que podem ser tomados pelos produtores como exigência de produtos feitos sob medida em contraste com a produção em série. Em suma: a pregnância da expressão de interesses e estilos enquanto dado do social em segmentos, em rede, e o progressivo investimento do produtor no produto diversificado, engendram a possibilidade cada vez mais real de o consumidor influir na produção do produto, influir no seu conteúdo, no seu desenho e funcionalidade.

A propósito, Balsemão nos convoca a trabalhar com o conceito também adotado por Castells: a “sociedade em rede”:

Eu creio que é necessário assinalar que a sociedade tem deixado de estar organizada em pirâmide e tende a organizar-se em rede. Os sindicatos, por exemplo, têm perdido a força. Apesar do desemprego crônico, o número de sindicalizados diminui, assim como o número de greves. Algo semelhante está ocorrendo com a representatividade e a credibilidade dos partidos políticos. Os agentes sociais transnacionais têm perdido assim poder, e não têm surgido outros que os substituam. [Posso incluir o pop star Michael Jackson como agente social transnacional?] O poder se encontra em déficit, porque crescentes franjas de população ativa, inativa e também das novas categorias dos semi-ativos e os semi-inativos têm deixado de estar presentes nas diversas pirâmides que estruturam o poder. As conseqüências desta libertação conduzem a uma organização social em rede, onde as relações se criam em cada momento, segundo as necessidades, e se desfazem quando o objetivo foi cumprido. Onde o tecido se elabora sem hierarquias, nem exclusivismos, segundo os imperativos da conjuntura, onde nada é eterno. Por isso o poder se desconcentra.[2]

M. Castells[3] adota a expressão “sociedade em rede” para se referir ao novo perfil da sociedade na “era da informação”. Para ele há uma lógica típica da nova estrutura social “em rede”, que emerge atrelada ao avanço da tecnologia informática e telecomunicação e que resulta em “metarede” comunicacional globalizada.

“Embora a forma de organização social em redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social”. A lógica das redes informacionais – sistema aberto altamente dinâmico – acolhe e potencia “a nova morfologia social de nossas sociedades” em crescente complexidade de interações flexíveis de interesses pontuais interconectados a fluxos específicos de informações, bem como “modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos [‘empresa em rede’, ‘trabalho em rede’, ‘capitalismo em rede’] e de experiência, poder e cultura” (p. 497).

Castells observa que “tanto na Europa quanto nos Estados Unidos ou na Ásia”, mesmo em estágio inicial de envolvimento com a “multimídia”, a sociedade apresenta “um padrão cultural” com as seguintes características:

· diferenciação cultural muito difundida levando à segmentação dos usuários-espectadores-leitores-ouvintes. As mensagens não são apenas segmentadas pelos mercados mediante estratégias do emissor, mas são cada vez mais diversificadas pelos usuários da mídia de acordo com seus interesses, por intermédio da exploração das vantagens das capacidades interativas. [...] no novo sistema, ‘horario nobre é o meu horário’.

· crescente estratificação social entre os usuários. Não apenas a opção da multimídia ficará restrita àqueles com tempo e dinheiro para o acesso e aos países e regiões com o necessário mercado potencial, mas também as diferenças culturais-educacionais serão decisivas no uso da interação para o proveito de cada usuário. [...] Assim o mundo da multimídia será habitado por duas populações essencialmente distintas: a inter-agente e a receptora da interação, ou seja, aqueles capazes selecionar seus circuitos multidirecionais de comunicação e os que recebem um número restrito de opções pré-empacotadas.

· a comunicação de todos os tipos de mensagens no mesmo sistema [...] induz a uma integração de todas as mensagens em um padrão cognitivo comum. [...] Do pondo de vista do usuário (como receptor e emissor, em um sistema interativo), a escolha das várias mensagens no mesmo modo de comunicação, com facilidade de mudança de uma para outra, reduz a distância mental entre as fontes de envolvimento cognitivo e sensorial. (p. 393s).

A sociedade em rede está aí e com ela a emergência da interatividade. Seja na base do faça você mesmo, seja como “argumento de venda”, seja na perspectiva da multimídia interativa e da telemática. O fim dos padrões globais estáveis, dos arcabouços da modernidade piramidal, libera o engendramento da nova condição das esferas social, mercadológica e tecnológica. Os jogos de linguagem, o acaso, a diversidade, a descentração, a flexibilidade, a efemeridade, tudo isso exige dos indivíduos, dos produtores e dos artefatos tecnológicos a disposição interativa. Quando as garantias da modernidade ou da velha indústria cultural estão fragilizadas, a interatividade vem à tona como exigência de “mais interação que cooperação, mais criatividade que reatividade”[4].

 

[1] VIANNA, Hermano. “Cultura pop”. In: Folha de São Paulo, 13/04/1997, p. 5. 6.
[2] BALSEMÃO, Francisco P. “La cultura Del zapeo”. In: Apuntes de la sociedad interactiva: antopistas inteligentes y negocios multimedia. FUNDESCO (org.). Cuenca (Espanha): UIMP, 1994, p. 290s.
[3] A sociedade em rede, trad. R. Majer, São Paulo: Paz e Terra, 1999.
[4] Idem, ibidem.

CIDADANIA

Vem do iluminismo a crença na escola como lugar destinado a formar cidadãos esclarecidos, senhores do seu próprio destino. Entretanto a sala de aula convive tradicionalmente com um impedimento de base ao seu propósito primordial de educar para a cidadania. Ela não contempla a participação do aluno na construção do conhecimento e da própria comunicação. O grande discurso moderno centrado na educação escolar sempre conviveu com esse impedimento: o peso de uma tradição bem formulada por Pierre Lévy quando diz “a escola é uma instituição que há cinco mil anos se baseia no falar-ditar do mestre”.

Centrada na transmissão em massa, a escola comprometeu seu compromisso com a sociedade. A era industrial engendrou a escola-fábrica, isto é, sistemas escolares concebidos como “instituições de massa que dispensam, ao conjunto da população a ser instruída, um tratamento uniforme, garantido por um sistema jurídico e um planejamento centralizado. Seu modelo canônico de referência é o modelo fabril da produção.”[1] Um modelo baseado na divisão hierárquica do trabalho produtivo que se reflete nas linhas de montagem do conhecimento, onde prevalece a autoridade administrativa dos chefes – do ministro da Educação de um país a cada diretor de escola, passando por todos os profissionais intermediários da escala burocrática. Em suma: um sistema onde a “alienação do professor com relação ao produto e ao processo de seu trabalho reflete-se na alienação – falta de controle e de envolvimento – do aluno com relação ao conteúdo e ao método de sua aprendizagem”[2]. Aqui está o maior impedimento à interatividade e à educação para a cidadania.

Nesse modelo fabril de escola o professor apresenta-se como aquele que perde a autoria sobre seu trabalho, uma vez que encontra-se confinado ao cumprimento de determinações vindas da administração superior, na hierarquia rígida do sistema. Nesse ambiente, o ofício de ensinar vem sendo submetido à “lógica racionalizadora do capital” que implanta um “modelo tecnocrático em educação”. Um modelo que tem a ver com “uma série de medidas metodológicas, psicológicas, didáticas, organizativas, etc., que afastam o professorado da reflexão e tomada de decisões sobre os fins e conteúdos do ensino”. Nesse modelo o professor não é estimulado à autonomia criativa em sala de aula. Aí ele vive uma “crescente desvalorização das condições de trabalho”, “uma crescente perda de controle sobre seu trabalho”, quando é separado das “funções conceituais” e convertido em mero executor daquilo que técnicos e administradores decidem e planejam.[3]

É nesse sentido que o papel do professor na escola vem modificando-se nas últimas décadas. Cada vez mais ele executa funções ligadas à distribuição do saber-produto. Ele passa de uma condição mais favorável à formação do indivíduo, para outra onde opera no sentido de equipar os alunos para a concorrência no mercado de trabalho – como diz Lyotard: ele é levado a “formar competências e não mais ideais”[4]. Seu saber “pluralizou-se e diferenciou-se com o surgimento de subgrupos de especialistas”[5] compartimentados, fazendo-o distanciar-se mais e mais da perspectiva da educação entendida como rede multidisciplinar de conteúdos que se conectam em movimento, em multiplicidade. Assim, ele torna-se o burocrata do saber-produto, da escola-fábrica.

Com ressalvas, claro! Há os mestres que driblam a lógica fabril e conseguem educar. Mas fora estes, a tendência é a sedimentação de dois tipos de professor, vitimados pelo mesmo sistema: por um lado aqueles que se devotam ao critério do desempenho, por outro, aqueles que perdem o viço típico do início de carreira e paralisam-se no dever morto da profissão que não ousa mais.[6]

Nestas condições o professor acostuma-se com a disjunção do trabalho pedagógico em especializações estanques, ao cumprimento de tarefas sobre as quais não é consultado, e torna-se incapaz de fazer frente ao sistema que separa e simplifica de acordo com o paradigma clássico. Pior: ele acostuma-se a considerar os alunos como sendo aqueles enviados à linha de produção da escola, onde realizam um trabalho rotineiro e repetitivo ao longo de anos. E, reproduzindo esse conceito, ele consolida ainda mais a concepção de sala de aula em que o professor é o transmissor do conteúdo e continua tratando os alunos como seres passivos que devem assimilar os conteúdos transmitidos e repeti-los nas ocasiões de avaliação.

Este modelo de escola nunca pôde incorporar, e muito menos estimular, a participação, a intervenção, dos alunos, uma vez que os próprios professores são imobilizados diante de sua tradicional finalidade: transmitir, reproduzir os princípios utilitários da ordem burguesa ou o espírito do capitalismo, isto é, a ideologia do desenvolvimento, a ideologia da mobilidade ascensional. Uma tal concepção educacional, preocupada com a adequação funcional meio-fim - instrumental -, não permite a interferência dos professores trazendo aquilo que foge ao seu modelo, como, em particular, o rompimento com a prevalência do falar/ditar.

Daí vem a petrificação da aprendizagem como movimento unidirecional de transmissão-imposição. Tradicionalmente o currículo presente nessa escola tem servido de inculcação de valores, de hábitos e condutas ajustando as novas gerações aos interesses da economia e do mercado. Sempre planejado “cientificamente” de modo a evitar que o comportamento do aluno se desvie das metas e padrões preestabelecidos.[7]

Essa redução da prática educacional à inculcação, à transmissão legitima práticas docentes que negam as vozes, experiências e histórias pelas quais os estudantes dão sentido a si mesmos e ao mundo. Estes, enquanto novos espectadores, têm sua cultura muito organizada pelo movimento contemporâneo das técnicas, mas a escola continua alheia à recursividade que coloca em emergência a lógica da comunicação, e mantém-se aferrada à pedagogia definida principalmente em termos instrumentais.

Mesmo exaltando o uso das novas tecnologias em suas salas de aula, esta escola não se encontra preparada para lidar com as novas gerações. A aula continua sendo uma palestra para a absorção passiva e individual, e o professor continua onisciente, instrutor, treinador. Mesmo que alguns gestores estimulem o professor “parceiro”, “conselheiro”, “facilitador”, “colaborador”, nessa escola dificilmente se vê a participação efetiva dos professores e alunos modificando estratégias didáticas ou medidas administrativas. A separação e a imobilização dos atores principais começam aqui, como antieducação. O professor e os alunos podem experimentar a exploração, a navegação, quando estiverem utilizado a Internet, mas o ambiente de imobilização e separação não estimula a fazer do movimento dessa tecnologia uma valiosa atitude de aprendizagem. Isto quer dizer que o uso de tal tecnologia é instrumental e disjuntivo. Instrumental porque utiliza a tecnologia hipertextual para potenciar a transmissão; disjuntivo porque separa o movimento dessa tecnologia, do movimento arborescente que prevalece na sala de aula.

Ao referir-se a essa escola como instituição defasada em relação ao “ecossistema comunicacional”, J. Martín-Barbero observa que seu conceito de comunicação continua instrumental. Ele parte de relatórios da UNESCO para comprovar o uso instrumental que a escola vem fazendo dos meios de comunicação: eles “devem servir sobretudo para expandir a audiência da escola, ou para permitir que os alunos possam ver uma ameba em tamanho diretamente observável”[8]. Tomo esta crítica como mais um dado revelador do modelo comunicacional que prevalece na escola: a comunicação utilizada apenas para potenciar a transmissão de informações para a massa de alunos.

Vejo na crítica de Martín-Barbero uma provocação à escola que encontra-se alheia à possibilidade de desenvolver uma prática educativa capaz de incorporar a participação-intervenção do novo espectador que se acostuma à tela multiforme, polifônica, polissêmica e cada vez menos instrumental, já que tende aos processos comunicacionais complexos que permitem adentramento, modificação e controle sobre acontecimentos. Vejo provocação à escola desinteressada no diálogo livre e plural entre professores e alunos. Vejo provocação à escola que não engendra práticas pedagógicas multissensoriais capazes de lidar com os alunos como eles são: com seu saber mosaico, fragmentado, multissensorial; com profundas alterações no seu aparato perceptivo; e acostumando-se à modalidade interativa de aprendizagem fora dos seus muros. Vejo provocação à escola que não valoriza o diálogo capaz de interligar as linguagens dos estudantes, dos professores e das velhas e novas tecnologias de comunicação. Vejo provocações que não têm outro sentido senão alertar para os desafios que dizem respeito a modificação de sua tradicional modalidade comunicacional.

Diante desta escola não apenas distanciada da interatividade, mas ainda refratária a ela, coloco-me na perspectiva de quem insiste em sua mudança. Sei perfeitamente que seus desafios não se resumem à modificação da modalidade comunicacional que nela se petrificou. Mas insisto em investigar este seu ponto fraco, sabendo que ele não se encontra separado de tantos outros (o currículo baseado em conteúdos fechados e disciplinas estaques; a administração e orientação escolar autoritárias, etc.). Sempre no sentido de mostrar que ela precisa colocar-se recursivamente com seu entorno comunicacional. Mais do que isto, insisto nos fundamentos da interatividade que podem ser trazidos para a sala de aula (com ou sem novas tecnologias), uma vez que criam a ambiência favorável a formação do cidadão.

 

* Texto extraído do livro Sala de aula interativa (Quartet, 2000), p. 79-83. Inclui adaptações.
[1] TARDIF, Maurício et ali. “Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente”. In: Teoria & educação. Porto Alegre, n.º 4, 1991, p. 225.
[2] ENGUITA, Mariano F. “Reprodução, contradição, estrutura social e atividade humana na educação”. In: Teoria & Educação, n.º 1, 1990, p. 113. Ver também desse autor A face oculta da escola: educação e trabalho na escola (Trad. Tomaz T. da Silva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989), onde ele aborda “a gênese da escola de massas”.
[3] CABRERA, Blas & JEÁN, Marta J. “Quem são e o que fazem os docentes?”. In: Teoria & Educação. Porto Alegre, n.º 4, 1991. P. 196.
[4] LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno, op. cit. p. 89.
[5] Em sua análise sobre o saber do professor, Tardif et ali (op. cit., p. 226) formulam com precisão esse problema: “No interior da escola-fábrica, esse corpo de executantes parece evoluir, nos últimos trinta anos, na direção de uma diferenciação técnica e pedagógica de suas tarefas e funções. Através dos controles administrativos e das tentativas de racionalizar o sistema escolar, a massa dos educandos transformou-se primeiro em populações escolares e, em seguida em clientelas diversificadas, alvos da intervenção de profissionais mais ou menos especializados. O docente titular e generelista viu seu campo limitar-se e especializar-se com o aparecimento de novas categorias de docentes e de especialistas (escola maternal, ortopedagogia, orientação escolar, psicologia, etc.). Seu saber, sua competência, sua pedagogia, no interior da instituição escolar, foram por isso limitados e contestados em sua capacidade de responder às necessidades das clientelas diversificadas. Seu campo de intervenção se restringiu e sua competência diminuiu. O saber docente pluralizou-se e diferenciou-se com o subgrupo de especialistas. A idéia tradicional do docente como educador parece ultrapassada. O docente se ocupa da instrução dos alunos; a formação geral da personalidade não é mais de sua responsabilidade.”
[6] Abordo essas condições do professor a partir do tema “pós-modernidade”, em: “Modernidade, pós-modernidade e educação emancipatória”, Dissertação de mestrado, Rio de Janeiro: FGV/IESAE, 1992, pp. 167-182.
[7]A chamada “nova sociologia da educação” que surge a partir da coletânea “Knowledge and control” (1971) organizada por M. Young, toma o currículo escolar como tema central de investigação e tem mostrado exaustivamente que ele está extremamente comprometido com inculcação de valores, transmissão de conhecimentos, exclusão das classes trabalhadoras, separação de disciplinas estanques, etc. Cf. M. Young, “Currículo e democracia: lições de uma crítica à ‘nova sociologia da educação’”, in: Educação e Realidade, Porto Alegre, n.º 14 (1), 1989, pp. 29-40.
[8] MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Nuevos regímenes de visualidad y des-centramientos culturales”. Bogotá (Colombia), 1998. Copia reprográfica, p. 11.
Última atualização: segunda-feira, 4 abr 2011, 01:13