O Futuro da Filosofia e o Mundo Virtual
Fonte: http://www.revistaconecta.com/ [22/02/03] (pesquisa realizada em março/2003)
O Futuro da Filosofia e o Mundo Virtual
Paulo Ghiraldelli Jr.
PhD Philosophy, Universidade de Sao Paulo
PhD, Philoosophy of Education, Pontificia Universidade Catolica de São Paulo
"Titular Professor", Philosophy of Education, Universidade do Estado de São Paulo
Visiting Professor: Oklahoma State University - Departament of Philosophy www.ghiraldelli.pro.br
No final do ano 2000, um aluno me perguntou, "professor, me diga, qual será o futuro da filosofia?".
Eu fiquei tentado a simplesmente passar para ele um texto de Rorty, "A filosofia e o futuro", que publiquei em português na revista Filosofia, Sociedade e Educação, número 1, quando ainda não tínhamos a Revista Virtual Filosofia e Filosofia da Educação. Mas depois eu percebi que a pergunta dele tinha uma implicação que o texto de Rorty, de certo modo, não abordava. Ele estava falando não exclusivamente do futuro da filosofia enquanto filosofia, mas o que ele queria saber, mais especificamente, era como faríamos filosofia - algo que muitos dizem que só podemos fazer com paciência, tempo e, digamos, de modo sempre arcaico - num mundo completamente informatizado, para o qual caminhamos.
Quando alguém coloca uma pergunta desse tipo, talvez por um acerto ou erro de formação, fazemos uma divisão: "o que vai ser a filosofia no futuro" nós tendemos a dividir em "o que é (ou vai ser) a filosofia?" e "o que é (ou vai ser) o futuro?".
Bem, é certo, no meu entendimento, que a filosofia nada mais é que um gênero de narrativa, um tipo de literatura que começou a tomar forma mais ou menos lá com Platão, e que possui uma história onde podemos identificar lugares parecidos - daí ela poder ter uma história, pois história de um elemento da cultura implica em continuidade na descontinuidade - que, em geral, estão mais ou menos dentro de caixinhas que chamamos de metafísica, epistemologia, ética e estética. Creio que outras caixinhas, que existem aos montes, poderiam ficar dentro dessas caixinhas aí enumeradas. Essas caixinhas são engraçadas, pois elas têm fundo mais não tem borda! Sabemos o que há dentro delas, mas não sabemos qual o contorno delas! Não sabemos onde termina a filosofia e começa a sociologia ou a economia ou a psicologia, a história ou, ainda, o que alguns chamam de senso comum, religião, utopia, ucronia, story, novel, etc...
Também o futuro é, em certo sentido, uma narrativa. Fazemos uma idéia do futuro. Nosso "futuro", a palavra "futuro", como a usamos hoje no ocidente, pouco ou nada tem a ver com o que poderíamos comparar com o "futuro" dos gregos antigos ou dos povos orientais ainda hoje. Usamos a palavra "futuro", na maioria de nossos enunciados, para desempenhar um papel específico: ela está posta em nossos enunciados para mostrar elos, em um sentido judaico-cristão, uma linha com começo, meio e fim (estamos nisso individual e coletivamente); mas também, de uns tempos para cá, ela aparece em nossos enunciados para funcionar como par da palavra "esperança", ou seja, falamos "futuro" como quem quer que aconteça algo que não aconteceu e que deve ser bom, mas que não sabemos bem o que é. O sentido judaico-cristão da palavra "futuro", que implica em linha, casa-se com o sentido moderno da palavra "futuro" que implica em "esperar por realizações aqui na Terra mesmo" ou "construir coisas para o amanhã, aqui mesmo". Não raro, podemos também fazer a palavra "futuro" entrar em nossos enunciados quase que, digamos, de maneira pós-moderna, para dizer que "as coisas do amanhã podem ser feitas, é claro, mas não teremos fundamentos metafísicos para fazê-las, mas apenas tentativas de justificativas, talvez racionais, que mudarão depois que as coisas, mal ou bem, ficarem prontas".
Se tomamos essas duas formulações acima - de filosofia e de futuro -, temos então que a filosofia e seu futuro, ou mais exatamente, o futuro da filosofia, pode ser vislumbrado através de um enunciado mais ou menos desse tipo: "conversaremos sobre metafísica, epistemologia, ética e estética talvez mais pensando em construir esperanças do que resolver problemas, ainda que possamos estar, sempre, aparentando querer resolver problemas". Esse é o futuro da filosofia? Sim, pelo menos é o futuro que eu desejo para a filosofia, e o que eu vejo que vai ser a filosofia. Mais ainda, entendo que isso será assim pelo fato de que ela, a filosofia, está sendo saudavelmente corroída pela velocidade, precisão, alcance e confusão do mundo informatizado, em especial, aqui, o mundo "internetalizado", ou, um mundo completamente "internetalizado". Por que?
A internet não é um meio a mais de comunicação. Vários autores, vários pensadores, olham para ela para a verem como mais um meio de comunicação, uma espécie de continuidade da revolução desencadeada com a invenção da imprensa moderna. Mas eu creio que quem pensa assim está errado. A internet é velocidade de comunicação, é precisão de comunicação, é alcance de comunicação, mas, é também, e sobretudo, uma confusão dos diabos, mixagem do que jamais foi sequer pensado em ser mixado não no espaço-tempo, mas quase que rompendo com a idéia mais ou menos comum de espaço-tempo que temos cultivado (espaço-tempo virtual, que não é o oposto de espaço-tempo real, e que ainda estamos por entender o que é). E é nesse aspecto que o mundo virtual mais se apresenta disposto a fazer com a filosofia o que a filosofia parece, pelo menos aos meus olhos, querer fazer consigo mesma daqui para a frente.
O mundo virtual nós dá a chance de potencializar de modo jamais visto nossas fantasias e, mais que isso, ele cria fantasias (que não pedimos nem sonhamos!) por ele mesmo, quase que por um erro de nossa digitação ou de nossa relação, qualquer que seja ela, com os computadores ou similares. Ora, a nossa conversa sobre filosofia ¾ lembrando a nova definição: "filosofia é mais criação de esperanças vagas e menos trabalho de solução de problemas ainda que no cotidiano ela nos pareça uma tarefa de solução de problemas" ¾ não sobreviveria sem o erro, o bom erro (bons erros, eu assim entendo, são os erros que nos levam às mudanças de paradigmas). O erro é o jump dos filósofos e professores de filosofia. O erro é a overcome dos filósofos, dos professores de filosofia e da própria filosofia. Se conversamos pouco de filosofia, erramos pouco em filosofia. Se conversamos com poucas pessoas, podemos ter grandes erros, mas creio, não serão bons erros. Se não andamos aleatoriamente, erramos menos ou, no mínimo, erramos de maneira pouco produtiva. A filosofia "internetada" é a mixagem que precisamos para potencializar a probabilidade de bons erros, levando tal número probabilístico ao infinito, dado o cruzamento de enunciados sobre campos parecidos ¾ metafísica, epistemologia, ética e estética ¾ vindos de fontes que não somos mais nós, mas sim a própria "www", como ela quer, da "cabeça" dela. A "www" é, então, um grande ser vivo que vai criando esperanças enquanto fala, esperanças que às vezes são mais que vagas, são indecifráveis; mas que às vezes nos dão a impressão de trazer o tijolo que precisávamos para a construção que queríamos, mais ou menos.
A "www" se apresenta então, não raro, ela mesma, como um colega de departamento, fazendo e ensinando filosofia. Muitas vezes um bom colega, que sabe filosofia e nos ensina, nos faz crescer.
Não vejo, portanto o "futuro da filosofia" como algo que possa ser enunciado sem que se pense na "www" como uma máquina viva de "filosofia do futuro".
Bom... mas a filosofia que quero que seja a filosofia do futuro não precisa ser a mesma que os outros querem. Afinal, nem todos gostam e vão gostar da "www", pois nem todo filósofo gosta do futuro; há até quem diga que, em todo o tempo de história da filosofia, há mais filósofos contra o futuro, enraivecidos com a idéia de futuro ¾ porque no futuro eles, os mais importantes seres do mundo, vão morrer ¾ do que filósofos capazes de querer construir o futuro.
Marília, Jardim Acapulco, 1 de janeiro de 2001