Fonte: http://www.ejrworldlearning.com.br/ (pesquisa realizada em março/2003)


O cartógrafo da Sociedade da Informação

Iñaki Arzoz e Andoni Alonso

Manuel Castels é sem dúvida o intelectual que tem estudado o impacto da sociedade da informação com maior extensão, profundidade e perspicácia. Politicamente comprometido (espanhol exilado na França nos anos 60, foi expulso desse país durante as revoltas estudantis de 68), próximo ao socialismo (colaborou ativamente na redação do Programa 2000 do Partido Socialista Obrero Español - e de vários estudos sobre as novas tecnologias durante o governo socialista), professor de inúmeras universidades – Paris, México, Santiago, Madri e Barcelona – e catedrático de sociologia e planejamento urbano e regional da Universidade da Califórnia em Berkeley, onde reside atualmente.

Movimentos populares
Seu trabalho esteve centralizado, no início, na sociedade civil e nos movimentos populares que a constituiem, com relação à moderna realidade urbana. Nesse sentido, de sua ampla produção nessa etapa destaca-se seu livro “Movimentos Sociais Urbanos” (1975), onde analisava diversos movimentos populares urbanos (grassroot movements), desde as comunidades castelhanas do século XV até ao planejamento de bairros operários realizados nos anos 60, em plena era desenvolvimentista. As cidades são sem dúvida o lugar privilegiado onde aparecem esses movimentos sociais e onde define-se nossa forma de vida nos finais do século XX, porém também onde aparecem muitas das contradições e problemas fundamentais.

Em seu livro “A Questão Urbana” (1976) trata de fornecer ferramentas de análise, que logo possam converter-se em correntes e movimentos sociais transformadores. A partir dessa preocupação social pelo fenômeno urbano, Castells adentrará em uma segunda etapa no estudo do impacto das novas tecnologias que irão revolucionar esse contexto urbano. Em “As Tecnópolis do Mundo” (1994), escrito em colaboração com o geógrafo Peter Hall, estuda a renovação industrial das grandes cidades através dos novos centros e parques tecnológicos. Em “A Cidade Informacional” (1995) interessa-se já pelo papel das novas tecnologias da informação no desenvolvimento de uma nova forma de economia (“o espaço dos fluxos”). Em “Local e Global” (1997), juntamente com o geógrafo Jordi Borja, incide na importância da gestão local em um desenvolvimento urbano da era da globalização (ou “glocalização”).

Obra monumental
O apogeu de ambas as etapas é sua monumental obra “A Era da Informação”, em três volumes: “A Sociedade Rede” (1997), “O Poder da Identidade” (1998) e “Fim de Milênio” (1998), - um esforço titânico de doze anos de pesquisa onde esquadrinha todos os aspectos da nova sociedade tecnológica: a economia global, o fim do patriarcado, o papel do estado, os movimentos sociais contra a ordem global, o novo conceito de trabalho, a crise da democracia, a pujança do Pacífico, o quarto mundo informacional, etc, e conceitos nucleares tão sugestivos como a “cultura da virtualidade real” e o nascimento do “Estado-Rede”. Sua trilogia converteu-se em um tipo de bíblia sobre essa nova era tecnológica para sociólogos, economistas e políticos e em um mapa que serve, a qualquer leitor curioso, de guia conceitual para este complexo novo mundo da globalização e das tecnologias da informação.

Pese ser a máxima autoridade na matéria, Castells define-se como um intelectual analítico que evita previsões futuristas, recomendações morais ou propostas práticas. Quiças experimentado no papel de intelectual neste século de fracassadas iniciativas políticas da esquerda, unicamente pretente descrever e interpretar o presente, para que outros utilizem convenientemente suas “ferramentas conceituais”.

Entretanto, toda sua obra encontra-se impregnada de veladas sugestões que incitam a pensar e a atuar em um determinado sentido. Dentro do espírito que poderíamos chamar de um “otimismo crítico” que modera o entusiasmo pela positiva transformação social devida às tecnologias da informação com a certeza da continuidade das desigualdades econômicas.

Luzes e sombras
Luzes e sombras da era da informação, por onde Castells aposta em seu conjunto, contudo por uma excessiva cautela ou por uma estrita coerência profissional, a mesma permanece órfã de uma interpretação filosófica mais comprometida. Não parece apropriado a ele – além de suspeito – o inflamado elogio do Wall Street Journal onde qualificava-o como “o primeiro grande filósofo do ciberespaço”, e sim considerar o de Anthony Giddens, que comparava sua obra com a de Max Weber.

Não cabe aqui qualquer dúvida que Manuel Castells, um espanhol inquieto e cosmopolita (que publicou sua obra primeiramente em inglês) independente de ser o “primeiro grande sociólogo do ciberespaço”, é o primeiro intelectual espanhol da cibercultura, que mostra sua extraordinária capacidade de trabalho e de síntese e uma sensibilidade social da melhor tradição européia, pouco comum nos apologistas americanos do ciberespaço. Sua obra será um marco da primeira etapa da cibercultura e sua leitura hoje, é imprescindível.

Sobre os autores:
Iñaki Arzoz e Andoni Alonso são, respectivamente, licenciado em Belas Artes e doutor em Filosofìa pela Universidad del País Vasco
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Publicado originalmente em Bitniks - Revista de Internet y Cibercultura (http://www.bitniks.es)
Tradução e adaptação: Luiz Cirne
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Última atualização: sábado, 2 abr 2011, 02:39