A Sociedade da Informação
Fonte: http://www.ejrworldlearning.com.br/ [O Globo - 14/02/2003] (pesquisa realizada em março/2003)
A Sociedade da Informação
Paulo Lima
Em 2003, segue o processo de elaboração de teses e propostas para a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação. A Cúpula, convocada pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, foi idealizada em dezembro de 2001 durante Assembléia Geral das Nações Unidas. Sua preparação se dá sob a responsabilidade da União Internacional de Telecomunicação (UIT) e outros organismos das Nações Unidas interessados, bem como dos países anfitriões. A conferência, a ser realizada em duas fases (dezembro de 2003 em Genebra e 2005 na Tunísia) coloca na agenda dos grandes temas do planeta a construção da Sociedade da Informação.
Essa expressão refere-se a um modo de desenvolvimento social e econômico em que a aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão, distribuição e disseminação de informação conduza à criação de conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos e das empresas, desempenhando um papel central na atividade econômica, na criação de riqueza, na definição da qualidade de vida dos cidadãos e das suas práticas culturais.
A Rede de Informação do Terceiro Setor (RITS), articulada com a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), vem participando de várias discussões preparatórias para a Cúpula. No momento que antecede a II PrepCom (reunião preparatória da Cúpula, que acontecerá de 17 a 28 de fevereiro em Genebra), é fundamental trazer essas questões à tona, lançar luz sobre elas e preparar-se para o debate, que, pelo que se anuncia, terá uma presença muito forte dos países desenvolvidos e das grandes corporações solidamente articuladas.
A sociedade da informação precisa ser uma sociedade para todos. Na definição das medidas de política para a sua construção, devem-se estabelecer condições para que todos os cidadãos tenham oportunidade de nela participar, e desse modo beneficiar-se das vantagens que este novo momento do desenvolvimento da civilização tem para oferecer.
Para isso, é indispensável que todos possam obter as qualificações necessárias ao estabelecimento de uma relação natural e “amigável” com as tecnologias da informação, e que seja possível o acesso em locais públicos sem barreiras de natureza econômica (telecentros comunitários públicos e gratuitos) que contribuam para a superação das dificuldades iniciais das populações hoje excluídas destas possibilidades.
A democratização da sociedade do futuro passará pela possibilidade de a grande maioria da população ter acesso às tecnologias de informação, e pela capacidade real de as utilizar. Caso contrário, elas poderão tornar-se um poderoso fator de exclusão social.
A sociedade da informação encerra em si uma potencial contradição: valoriza o fator humano no processo produtivo, ao transformar o conhecimento e a informação em capital, mas, simultaneamente, desqualifica os novos “analfabetos” das tecnologias de informação, podendo dar origem a um nova classe de excluídos.
A sociedade da informação que queremos e pela qual trabalhamos é ciente destas armadilhas e desafios. E este é o momento de marcar a presença com propostas efetivas e transformadoras, de apontar a exploração abusiva dos custos de banda internet nos países em desenvolvimento, e para discutir fundos e propostas de longo prazo para o combate à infoexclusão.
A Cúpula abordará uma ampla gama de assuntos relativos à sociedade da informação, e, como resultado, se prevê uma visão comum e uma melhor compreensão da transformação da sociedade. Espera-se que a Cúpula adote uma Declaração de Princípios e um Plano de Ação para facilitar o desenvolvimento efetivo da Sociedade da Informação, e ajudar a combater a infoexclusão.
Trata-se, então, de reunir representantes do governo, do setor privado, da sociedade civil, incluindo as Organizações Não Governamentais (ONGs). Será uma oportunidade única para que a comunidade mundial considere e participe da proposição de metas para a construção da Sociedade da Informação.
Ao lermos o documento de divulgação da Cúpula, podemos avaliar de pronto que duas importantes questões não estão incorporadas na pauta deste encontro. Este documento, ao analisar a distribuição dos recursos da Sociedade Informacional, mostra que, no mundo, há um bilhão de linhas telefônicas fixas, distribuídas da seguinte forma: Europa, 35,9%; Ásia, 31,7%; América, 29,2%, e África, 2,0%. Este mesmo relatório indica que a quantidade estimada de usuários de internet em todo o mundo é de 350 milhões, em que a América representa 35,2%, a Europa 32,8%, a Ásia 28,6%, o Pacífico 2,2%, e a África 1,2%.
Observando esses números, percebe-se imediatamente que há uma grave distorção na análise, ao se simplificar a distribuição por um critério exclusivamente geográfico. Não há como se trabalhar com os conceitos acima afirmados (distribuição eqüânime e justa de recursos) reunindo-se os países da América do Norte (nomeadamente EUA e Canadá) com os países da América Latina. A análise prejudica na base o avanço da construção de uma proposta de Sociedade Informacional que inclua os países em desenvolvimento.
Outra questão importante é a completa ausência de referência ao português como idioma de trabalho para a Cúpula. Somos, no Brasil, cerca de 175 milhões de cidadãos que não terão acesso a documentos em nossa língua ou teremos que ler os documentos em francês, inglês ou espanhol. No Brasil, ainda não estão difundidas as propostas que o governo brasileiro irá defender na Cúpula.
Com grande tradição e certa liderança entre os países em desenvolvimento nos processos de discussão do sistema das Nações Unidas, o Brasil joga um papel central. Por essa e dezenas de outras razões se justificaria um amplo debate entre os governos em seus diversos níveis, as empresas e as ONGs, para a construção coletiva de propostas para a Declaração de Princípios e Plano de Ação da CMSI. Corre-se o risco de vermos acontecer, de longe, a realização de uma Cúpula Mundial da Sociedade da Informação dos países ricos...
Sobre o autor:
Paulo Lima é secretário-executivo da Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS).