Pedagogia do parangolé - novo paradigma em educação presencial e online
Fonte: http://www.icoletiva.com.br/secao.asp?tipo=artigos&id=29 (pesquisa realizada em março/2003)
Pedagogia do parangolé - novo paradigma em educação presencial e online
Marco Silva
Assim como inspira a inquietação dos programadores da TV, a interatividade também pode despertar o interesse dos professores para uma nova comunicação com os alunos em sala de aula presencial e online. Afinal, tanto a mídia de massa quanto a sala de aula estão diante do esgotamento do mesmo modelo comunicacional que prevaleceu no século XX: a transmissão que separa emissão e recepção, a lógica da distribuição.
O termo apareceu na década de 1970 no contexto da crítica à mídia unidirecional e virou moda a partir de meados dos anos 80 com a chegada do computador com múltiplas janelas (windows) em rede. Janelas que não se limitam à transmissão, permitem ao usuário adentramento labiríntico e manipulação de conteúdos.
Em nossos dias, mesmo ganhando maturidade teórica e técnica com o desenvolvimento da internet e dos games, o termo interatividade sofre banalização quando usado como "argumento de venda" em detrimento do prometido mais comunicacional. Basta ver a enxurrada de aplicações do termo, desde shampoo interativo e tênis interativo até mesmo a escola interativa, nesse caso apenas por estar equipada com computador e internet e não por superar a velha pedagogia da transmissão.
Vale a pena atentar para o sentido depurado do termo interatividade que encontra seus fundamentos na arte "participacionista" da década de 1960, definida também como "obra aberta" por Umberto Eco. O "parangolé" do artista plástico carioca Hélio Oiticica é um exemplo maravilhoso dessa arte.
Interagir não é assistir
O parangolé rompe com o modelo comunicacional baseado na transmissão. Ele é pura proposição à participação ativa do "espectador" - termo que se torna inadequado, obsoleto. Trata-se de participação sensório-corporal e semântica e não de participação mecânica. Oiticica quer a intervenção física na obra de arte e não apenas contemplação imaginal separada da proposição. O fruidor da arte é solicitado à "completação" dos significados propostos no parangolé. E as proposições são abertas, o que significa convite à co-criação da obra. O indivíduo veste o parangolé que pode ser uma capa feita com camadas de panos coloridos que se revelam à medida que ele se movimenta correndo ou dançando.
Parangolé de H. Oiticica - 1964
Oiticica o convida a participar do tempo da criação de sua obra e oferece entradas múltiplas e labirínticas que permitem a imersão e intervenção do "participador", que nela inscreve sua emoção, sua intuição, seus anseios, seu gosto, sua imaginação, sua inteligência. Assim a obra requer "completação" e não simplesmente contemplação. Segundo o próprio Oiticica, "o participador lhe empresta os significados correspondentes - algo é previsto pelo artista, mas as significações emprestadas são possibilidades suscitadas pela obra não previstas, incluindo a não-participação nas suas inúmeras possibilidades também".
Esta concepção de arte (ou "antiarte", como preferia Oiticica), inconcebível fora da perspectiva da co-autoria, tem algo a sugerir ao professor: mesmo estando adiante dos seus alunos no que concerne a conhecimentos específicos, propõe a aprendizagem na mesma perspectiva da co-autoria que caracteriza o parangolé e a arte digital. O professor propõe o conhecimento. Não o transmite. Não o oferece à distância para a recepção audiovisual ou "bancária" (sedentária, passiva), como criticava o educador Paulo Freire.
Desafio para o professor
Inspirado no parangolé, o professor propõe o conhecimento aos estudantes, como o artista propõe sua obra potencial ao público. Isso supõe, segundo Thornburg & Passarelli, "modelar os domínios do conhecimento como 'espaços conceituais', onde os alunos podem construir seus próprios mapas e conduzir suas explorações, considerando os conteúdos como ponto de partida e não como ponto de chegada no processo de construção do conhecimento". A participação do aluno se inscreve nos estados potenciais do conhecimento arquitetados pelo professor de modo que evoluam em torno do núcleo preconcebido com coerência e continuidade. O aluno não está mais reduzido a olhar, ouvir, copiar e prestar contas. Ele cria, modifica, constrói, aumenta e, assim, torna-se co-autor. Exatamente como no parangolé, em vez de se ter obra acabada, têm-se apenas seus elementos dispostos à manipulação.
O professor disponibiliza um campo de possibilidades, de caminhos que se abrem quando elementos são acionados pelos alunos. Ele garante a possibilidade de significações livres e plurais e, sem perder de vista a coerência com sua opção crítica embutida na proposição, coloca-se aberto a ampliações, a modificações vindas da parte dos alunos. Uma pedagogia baseada nessa disposição à co-autoria, à interatividade, requer a morte do professor narcisicamente investido do poder. Expor sua opção crítica à intervenção, à modificação, requer humildade. Mas, diga-se humildade e não fraqueza ou minimização da autoria, da vontade, da ousadia. Seja na sala de aula equipada com computadores ligados à Internet, seja no site de educação à distância, seja na sala de aula "infopobre", o professor percebe que o conhecimento não está mais centrado na emissão, na transmissão.
Na era digital ou cibercultura os atores da comunicação têm a interatividade e não mais a separação da emissão e recepção própria da mídia de massa e da "cultura da escrita", quando autor e leitor não estão em interação direta. Assim o professor propõe o conhecimento à maneira do parangolé. Assim ele redimensiona a sua autoria: não mais a prevalência do falar-ditar, da distribuição, mas a perspectiva da proposição complexa do conhecimento à participação ativa dos alunos que já aprenderam com o joystick do videogame e hoje aprendem com o mouse. Enfim, a responsabilidade de disseminar um outro modo de pensamento, de inventar uma nova sala de aula, presencial e à distância, capaz de educar em nosso tempo.
Sobre o autor:
Marco Silva, sociólogo, doutor em educação e professor da UERJ, UNESA e UVB, é autor do livro Sala de aula interativa (Quartet, 2000).
Site: http://www.saladeaulainterativa.pro.br/
E-mail: marcoparangole@uol.com.br