Sala de Aula Interativa aponta novo desafio para ensino
Sala de Aula Interativa aponta novo desafio para ensino
BR Press - 19/07/2000 19:34
Flávia Muniz/BR Press
São Paulo, BR Press - O grande desafio dos professores, na era da informação digital, é mudar de atitude. Atualmente, extrapolar os limites da sala de aula e considerá-la como ponto de partida na busca do conhecimento requer mudança de enfoque educacional, de papel representado pelo professor e das expectativas dos alunos. "É preciso investir em interatividade na relação professor, alunos e conteúdos curriculares. Seja na sala de aula presencial, seja no ensino à distância".
A conclusão é do Prof. Dr. Marco Silva sociólogo, mestre e doutor em educação. Professor da UERJ e da USU, ele desenvolve pesquisas sobre a interatividade aplicada ao ensino. Na entrevista a seguir, discutimos a chegada das tecnologias digitais na sala de aula, como canal importante para o aperfeiçoamento da comunicação entre professores a alunos.
Em seu livro Sala de Aula Interativa, lançado recentemente pela Quartet Editora (232 págs., R$ 27,00), ele expõe porque não acredita que a interatividade dependa apenas de computadores e da internet, mas, principalmente, da maneira como se encara a aprendizagem, o conhecimento, o modo de atuação do professor e o novo espectador (o aluno), que já é parte de uma geração digital.
Como se dá a aprendizagem na era da comunicação via internet?
Marco Silva - Era da comunicação via internet, era digital ou era da informação são expressões que exprimem uma mudança radical no mundo das comunicações. Exprimem um novo cenário, diferente daquele definido pelo modelo unidirecional da mídia de massa (rádio, cinema, imprensa e tv) que marcou o século 20. Cito pelos menos cinco características do cenário comunicacional da era internet:
1 - Novas tecnologias informáticas conversacionais, onde a tela do computador não é espaço de irradiação, mas de adentramento e manipulação, com janelas móveis e abertas a múltiplas conexões em rede;
2 - Os internautas e não somente as empresas especializadas têm a posse dos meios de produção e disponibilização da informação e do entretenimento (sites que oferecem notícias, músicas e filmes);
3 - A mensagem não é mais emitida, não é mais um mundo fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado; ela é aberta, modificável, na medida em que responde às solicitações daquele que a consulta;
4 - Estratégias dialógicas de oferta e consumo envolvendo cliente-produto-produtor;
5 - O novo espectador, menos passivo perante a mensagem mais aberta à sua intervenção, que aprendeu com o controle remoto da TV, com o joystic do videogame e agora aprende como o mouse. Portanto podemos dizer que há uma transição da era da transmissão em massa para a era da interatividade, exigindo novas estratégias de organização e funcionamento da mídia clássica e redimensionamento do papel de todos os agentes, envolvidos com os processos de informação e comunicação.
Há inclusive a exigência de modificação da base comunicacional, que faz da sala de aula tão unidirecional quanto a mídia de massa. Ou seja: é preciso investir em interatividade na relação professor, alunos e conteúdos curriculares. Seja na sala de aula presencial, seja no ensino à distância.
Que características a sala de aula interativa deve ter e/ou preservar?
Marco Silva - A escola não se encontra em sintonia com a modalidade comunicacional emergente. Como se sabe, há cinco mil anos ela se baseia no falar-ditar do mestre. A sala de aula, tradicionalmente fundada na transmissão de A para B ou de A sobre B, permanece alheia ao movimento das novas tecnologias comunicacionais e ao perfil do novo espectador.
Para enfrentar o desafio de mudar essa tradição, o professor encontra no tratamento complexo da interatividade os fundamentos da comunicação, que potencializam um novo ambiente de ensino e aprendizagem. Tais fundamentos mostram que comunicar em sala de aula significa engendrar/disponibilizar a participação/exploração livre e plural dos alunos, de modo que a apropriação das informações, a utilização das tecnologias comunicacionais (novas e velhas) e a construção do conhecimento se efetuem como co-criação e não simplesmente como transmissão.
Nem sempre as escolas dispõem de computadores em sala de aula. O que o Sr. recomenda nesse caso?
Marco Silva - Investir em aprendizagem interativa não significa de imediato equipar a sala de aula com computadores ligados à internet. Antes ou concomitantemente, é preciso modificar o modelo cristalizado da transmissão.
Nas feiras de educação e informática circula freneticamente uma multidão de gestores de escolas e de sistemas de ensino, à procura de soluções para a aprendizagem na era digital. Muitos investem em equipamentos de realidade virtual, em carteiras informatizadas conectadas ao computador do professor e à rede.
Porém o essencial não é a tecnologia, mas um novo estilo de pedagogia baseado na participação, cooperação e multiplicidade de conexões entre os atores envolvidos no processo de construção do conhecimento e da própria comunicação. As tecnologias digitais, quando bem utilizadas, potencializam essa nova comunicação. Caso contrário banalizam a interatividade, reduzem-na a argumento de venda, o dourado da pílula.
O jovem de hoje convive com "a estética da saturação". Essa pressão para 'informar-se no menor tempo possível' não afasta o estudante de outros processos mentais necessários ao desenvolvimento cognitivo, como a reflexão, a comparação, a crítica? O saber não se torna superficial e pouco fundamentado?
Marco Silva - É evidente que alta velocidade e excesso dos sons e imagens têm a ver com empobrecimento da reflexão e da crítica. No entanto, não podemos impedir a estética da saturação. A própria internet é isso. Antes, essa estética estava principalmente na tela da TV, num clipe por exemplo.
O novo espectador ou a geração net, aqueles que migram da tela da TV para a tela do computador, vem passando por uma mutação perceptiva. Sua cognição vem sendo marombada pelo excesso audiovisual, pelo caos na recepção e no consumo. Isso pode gerar apenas destreza perceptiva, intuitiva e não o pensamento crítico, aquele que vai à raíz das coisas e dialoga com a diversidade de pontos de vista.
A escola falhou por não incorporar a TV como estratégia de educação do olhar, da percepção. Agora, falta-lhe know-how para lidar com a (permita-me a palavra) "caoticidade" digital própria do hipertexto, aquela que permite adentrar janelas que dão para outras janelas em rede saturadas de textos, imagens, movimento e sons. Falta-lhe o jogo de cintura necessário para lidar com a destreza perceptiva das novas gerações, com sua leitura de tipo cinestésico, e assim desenvolver a reflexão, a crítica e o saber fundamentado na "caoticidade" do nosso tempo.
O Sr. acredita que o professor brasileiro já esteja preparado para desempenhar papel tão interativo na sala de aula?
Marco Silva - É preciso investir na sua formação permente de qualidade, e aqui deverá estar a sua preparação para romper com a tradição do falar-ditar do mestre, que transmite o conhecimento e separa emissão e recepção. É preciso também injeção de ânimo com reconhecimento social e melhores salários. Juntamente com tudo isso, a liberdade e infra-estrutura para criar a partir dos Parâmetros Curriculares do MEC e a cooperação entre os professores, pais e alunos de cada escola e de redes de escolas no enfrentamento dos desafios comuns.
Os jovens gostam de pesquisar, mas lhes falta treino para isso e também para sintetizar o conhecimento obtido. Isso não nos leva a um enfoque único do professor, no fechamento da pesquisa?
Marco Silva - Aprender a navegar pela multiplicidade de dados e daí sintetizar o conhecimento é tarefa para toda vida. A escola é certamente o lugar privilegiado para a sistematização desse aprendizado. Mas, por estar vinculada ao modelo da transmissão, prevalece o enfoque único do professor no fechamento da pesquisa. O professor que busca interatividade com seus alunos propõe o conhecimento, não o transmite apenas. Em sala de aula ele é mais que instrutor, treinador, parceiro, conselheiro, guia, facilitador, colaborador.
Ele é formulador de problemas, provocador de situações, arquiteto de percursos, mobilizador das inteligências múltiplas e coletivas na experiência do conhecimento. Ele disponibiliza domínios do conhecimento, para que os alunos possam construir seus mapas e conduzir suas explorações, individualmente e em cooperação, na sala de aula presencial ou à distância. Ele disponibiliza estados potenciais do conhecimento de modo que o aluno experimenta a criação do conhecimento quando participa, interfere, modifica.
Por sua vez, o aluno deixa o lugar da recepção passiva de onde ouve, olha, copia e presta contas, para se envolver com a proposição do professor. E assim aprende a pesquisar e a sintetizar o conhecimento obtido.
O Sr. acredita que haja tempo hábil para se criar e desenvolver um clima de interação em cada aula, face ao conteúdo programático extenso, exigido pela escola?
Marco Silva - O que temos é esse modelo escolar fragmentado em disciplinas estanques com pouco tempo hábil para se dar conta do conteúdo programático extenso. Cada classe assiste aos vários professores que entram, dão seu recado e saem. A transmissão, o falar-ditar é o modo de comunicação que se presta a esse modelo de ensino.
Um outro modelo escolar que privilegie a transdisciplinaridade, isto é, o intercâmbio entre as diversas áreas de conhecimento como literatura, química, matemática, história, geografia, artes, educação física, etc., poderá interromper com a fragmentação dos saberes ampliar o envolvimento de cada estudante com a construção do conhecimento.
Qual foi a sua motivação para escrever o livro Sala de Aula Interativa?
Marco Silva - Pelo menos duas motivações. Acredito que educar significa preparar para a participação cidadã e que esta pode ser exercitada na sala de aula interativa informatizada ou não. E a esquizofrenia entre o modelo de comunicação da era digital e o modelo hegemônico nos sistemas educativo e midiático.
O Sr. pensa em escrever outra obra dirigida aos professores do ensino fundamental e da pré-escola, que aborde a interação das crianças com o computador?
Marco Silva - Neste momento não estou interessado no enfoque particular desse perfil de alunos. Quanto à interação dos estudantes e professores com o computador que pontencializa a aprendizagem, abordo isso no livro Sala de Aula Interativa.
Procuro quebrar preconceitos em relação ao computador mostrando ao professor como aprender com o digital, com o hipertexto. Mostro que a interatividade não é uma invenção da informática, mas que vem da obra de arte aberta à intervenção do fruidor nos anos 60 e hoje está presente no movimento das tecnologias digitais.
Convido o professor a modificar sua postura comunicacional de contador de histórias, inspirando-se no designer de software interativo, que propõe uma teia no lugar de uma rota.
O Sr. está trabalhando atualmente em outro projeto que deseje comentar?
Marco Silva - Venho trabalhando com a Licenciatura da Faculdade de Educação da UERJ, na perspectiva da sala de aula interativa. Estamos criando experiências interativas na disciplina sociologia da educação. O projeto é fazer o registro dessas experiências com a ajuda dos próprios alunos, visando divulgá-las para a comunidade acadêmica da UERJ e para outros interessados.