O ensino na Nova Era

João Antonio Zuffo



“O desenvolvimento da capacidade de pensamento deveria ser colocado em primeiro lugar, e não a aquisição de conhecimento especializado. Se uma pessoa domina o fundamental no seu campo de estudo e aprendeu a pensar independentemente, ela será mais capaz de adaptar-se ao progresso e às mudanças do que outra cujo treinamento consistiu apenas na aquisição de conhecimento detalhado”.

Esse pensamento do cientista Albert Einstein está diretamente ligado às idéias sobre educação defendidas pelo professor João Antonio Zuffo, coordenador-geral do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP (http://www.lsi.usp.br/). O prof. Zuffo acredita que o profissional do futuro deve ter uma formação humanística sólida para saber lidar com as constantes mudanças tecnológicas que virão.

Autor de 15 livros e mais de 200 artigos nas áreas de Engenharia Elétrica e Computação, em outubro lançou A Tecnologia e a Infossociedade, primeiro livro de uma série denominada A Sociedade e a Economia no Novo Milênio: Os Empregos e as Empresas no Turbulento Alvorecer do Século XXI (Veja a resenha na seção Biblos & Bytes – Livros deste site), na qual analisa a era da informação, chamada de Infoera, e sua influência nos diversos aspectos da sociedade.

Nesta entrevista, originalmente publicada na revista Ensino Superior, nº49 (http://www.revistaensinosuperior.com.br/
index.php), Zuffo fala sobre esses temas e as transformações advindas com a Infoera.

i-Coletiva: O que exatamente é a Infoera e quais suas principais características?
João Antônio Zuffo: A infoera é a era da informação que está mudando os valores da sociedade e o relacionamento humano. Eu diria que é a mudança mais profunda ocorrida na história da humanidade, pois traz com ela uma série de fatores. Vivemos numa transição muito forte no sentido de que as coisas tangíveis estão sendo substituídas por materiais intangíveis, que não se consegue quantificar. Por exemplo, como definir o valor de um software, que não é um bem físico? E uma das principais características da infoera é o excesso de informação. Receberemos uma quantidade de informação cada vez mais intensa, muito maior do que a capacidade do nosso cérebro de absorver tudo isso. O maior problema será selecionar o que nos é útil e importante.

i-Coletiva: Para que o sistema educacional se adapte às constantes mudanças que caracterizarão a nova era, que tipo de reforma o senhor propõe?
João Antônio Zuffo: Eu defendo que os cursos superiores tenham uma base muito sólida, calcada em aspectos de humanidades e artes, possibilitando ao aluno lidar com constantes mudanças e oferecendo uma formação que lhe dê a capacidade de saber o que quer, onde encontrar e como selecionar o que precisa.
O conhecimento mais técnico e específico deverá ser recebido por meio dos cursos just in time (rápidos). Os cursos de complementação e atualização serão realizados online, mas haverá um orientador para indicar o caminho das pedras. Hoje já não se pode pensar em fazer uma faculdade de quatro, cinco anos e depois parar de estudar, o estudo tem que ser por toda a vida, por meio da educação continuada. Estudar constantemente será uma outra função do ser humano, e a tendência é a educação a distância, interativa, mas com o suporte de reuniões periódicas. O contato humano nunca vai acabar, só não haverá mais as aulas expositivas como temos hoje, pois elas estão ficando rapidamente obsoletas.

i-Coletiva: A educação básica também passará por esse processo de transformação?
João Antônio Zuffo: Os cursos elementares terão de ser voltados mais para a criatividade e para os aspectos vocacionais da criança, o ensino terá que ser personalizado. Cada aluno deverá receber a formação a partir de suas aptidões, com atenção especial. Sem dúvida, em médio prazo, os exames de competência serão eliminados. A educação precisa ser uma forma de entretenimento, as crianças aprenderão as disciplinas, como Matemática ou História, de uma forma atrativa. Isso mudaria profundamente a filosofia de ensino.
No exterior já se cogita que, dentro de 10 a 15 anos, possam se desenvolver clones educacionais. Estes clones seriam pequenas máquinas (semelhantes aos joguinhos eletrônicos de hoje) com inteligência artificial, adaptadas e programadas conforme a personalidade de cada criança, para direcionar os seus estudos. A figura do professor continuaria existindo, porém com a função de orientador vocacional, mais ou menos no esquema do orientador da pós-graduação de hoje. Não haveria mais a questão de comparação de notas, que muitas vezes cria obstáculos psicológicos, cada aluno receberia o ensino de acordo com sua competência e capacidade. As salas de aula seriam utilizadas para reuniões em esquema de dinâmicas de grupo. Podemos pensar que, para a realidade do Brasil, isso está muito longe, mas se for um sistema barato, e em 10 ou 15 anos será, é perfeitamente viável.

i-Coletiva: Que mudanças o senhor tem observado nos cursos de Engenharia, que são o seu campo de atuação?
João Antônio Zuffo: Em primeiro lugar, proponho a diminuição na carga horária dos cursos de Engenharia. Com o excesso de atividades na sala de aula, há um baixo aproveitamento, pois a mentalidade mudou e as pessoas não se adaptam mais a aulas simplesmente expositivas. A Engenharia deverá ter o seu número de especializações radicalmente reduzido. Deixaremos de ter o engenheiro propriamente técnico, para se tornar um profissional técnico-científico. Ele deverá se aprofundar mais nos aspectos científicos e saber usar os softwares que resolvem os aspectos técnicos. A formação científica básica será necessária para compreender por que os softwares fazem aquilo e deixar de ser apenas um mero calculista. A régua de cálculo do Engenheiro do futuro serão os programas de realidade virtual e a tendência é fazer projetos colaborativos a distância. Por exemplo, pela realidade virtual, pode-se começar o projeto de uma ponte e pessoas de vários países darem opiniões sobre ela. Isso já se faz, e é uma experiência largamente implantada no exterior. Hoje ainda é uma prática cara, mas, em cinco anos, deverá estar bem mais acessível.

i-Coletiva: Que profissões serão obsoletas e quais estarão em alta no futuro?
João Antônio Zuffo: É difícil prever, mas tudo indica que as profissões puramente técnicas irão desaparecer. Atividades voltadas para o bem-estar pessoal terão um grande desenvolvimento, como esteticistas e enfermeiros. Haverá, também, um crescimento enorme da saúde em casa. Devido à facilidade de comunicação, será possível monitorar o paciente inserindo nele um chip, controlando fluxo sangüíneo, pressão, temperatura, tudo a distância. Isso vai fazer ressurgir o médico de família, contrariamente ao médico especializado de hoje.
As profissões mais voltadas às questões teóricas, como Física, Matemática, Informática, vão exigir muitas pessoas e muito trabalho. Basicamente, as áreas voltadas à geração de conteúdo e à criação tendem a crescer. Outra área promissora é o Turismo, mas não só o real como também o turismo a distância ou virtual. Hoje, já existem câmeras instaladas no Alasca para observação da vida selvagem. No futuro, haverá sistemas de realidade virtual em que se poderá interagir com o meio ambiente por meio de robôs.

i-Coletiva: Com as facilidades de comunicação, há uma tendência ao fim dos escritórios e ao trabalho em casa?
João Antônio Zuffo: Sim, a tendência é o trabalho e o estudo em casa. As empresas vão ganhar muito com isso, pois economizarão em infra-estrutura, luz, água, telefone... Haverá escritórios em casa e escritórios virtuais com capacidade tecnológica sofisticada. Com isso, o rendimento certamente vai aumentar, mas as pessoas vão sofrer muito mais de solidão, tendendo a ser mais egocêntricas, e o narcisismo crescerá muito.

i-Coletiva: E o emprego será mesmo reduzido no futuro devido à substituição da mão-de-obra humana pelas máquinas?
João Antônio Zuffo: Sim, embora as pessoas não notem, o emprego assalariado já está desaparecendo e vai desaparecer nos próximos 20 anos. O trabalho não, quando falo em emprego, não falo em trabalho. Realmente a concorrência com as máquinas será muito grande, pois haverá programas especializados para resolver diversos tipos de problemas. O maior desafio será como absorver todo esse contingente humano, organizando um sistema em que as pessoas possam trabalhar mesmo que não haja emprego. Hoje, o trabalho autônomo já é uma saída para quem está fora da economia, como os camelôs e os “perueiros”, os motoristas autônomos, que oferecem transporte coletivo alternativo, mas eles precisam se organizar. Hoje, são tratados à margem da sociedade, quando, na verdade, estão mostrando, sinalizando um caminho.
Possivelmente, o que vai acontecer é que, para a população mais pobre, o dinheiro praticamente não circulará mais; daqui a 20 anos, tudo será fornecido gratuitamente. As necessidades básicas das pessoas serão satisfeitas por projetos de renda mínima ou por distribuição gratuita de produtos. Estive no Japão, em 2000, e o governo estava distribuindo cupons de compras para 40% da população mais pobre, para dinamizar a economia japonesa, que tentava fugir da crise.

i-Coletiva: Então, esse sistema vai gerar profundas transformações também na economia dos países e das instituições?
João Antônio Zuffo: Haverá uma acentuada queda nos preços dos produtos. A realidade é que o preço de todas as coisas está tendendo a baixar. Primeiro os materiais ligados à era da informação, como circuitos integrados e microeletrônica, de uma forma geral, mas o interessante é que isso acaba permeando todos os setores da atividade humana. Por isso, não é de se estranhar a proliferação das lojas de R$ 1 ou R$ 2. Hoje se pode comprar uma máquina de calcular chinesa com bateria por R$ 2. Mas as pessoas podem imaginar que com um carro não acontece isso, é que, nesse caso, a evolução é mais lenta, dependendo do tipo de produto e da sua aderência às tecnologias da informação.

i-Coletiva: O que será mais valorizado?
João Antônio Zuffo: Materiais ligados à produção artística e relacionados à criatividade humana tenderão a ser mais valorizados, trabalhos feitos por máquinas é que perderão o valor. Essa queda de custos e conseqüente abundância de materiais podem levar a problemas sérios de agressão ao meio ambiente. Por isso, a educação também tem que ser voltada para a conscientização das pessoas para preservar e evitar o desperdício.
Vale lembrar que a grande moeda do futuro para as instituições e nações será o conhecimento científico. As nações que não tiverem um conhecimento mínimo ocuparão uma posição secundária em relação ao mercado mundial. Outro dado importante da economia no futuro é que a instabilidade econômica vai ser intrínseca a este modelo, devido às informações se propagarem muito rapidamente. Qualquer boato provocará instabilidade, e isso será permanente.

i-Coletiva: Como será a distribuição física das cidades?
João Antônio Zuffo: Quando houve a transição da fase agropecuária para a era industrial, uma das conseqüências foi a concentração da população: haviam as fábricas e, em torno delas, as casas dos operários. Com isso, se desenvolveram as cidades. Depois da Segunda Guerra Mundial, começaram a surgir tecnologias descentralizadoras de população, como a televisão, o telefone, estradas melhores, e começou o desenvolvimento dos subúrbios. Hoje, no exterior, os subúrbios já estão em decadência.
Em um mundo fortemente conectado, as pessoas vão viver em pequenas comunidades em que se sintam bem, com todas as facilidades da cidade grande, e sem os problemas como violência, poluição, trânsito. Então, a tendência é um espalhamento populacional muito grande. Embora as cidades ainda venham a crescer muito aqui, no Brasil, a tendência é que elas entrem em decadência.

i-Coletiva: Quais os reflexos sociais desta nova era?
João Antônio Zuffo: São vários. Por exemplo, a Infoera trará a dissolução da hierarquia. A tendência é haver uma horizontalização nas relações pessoais. Isso acontecerá na família, com o fim do patriarcado e uma relação de maior igualdade entre os membros. No ensino também, pois antes o professor era figura de autoridade; hoje, já está ficando nivelado. Com as empresas não será muito diferente, elas tendem a ter uma organização celular.
Como já disse, as pessoas tendem a sofrer mais de solidão. E, com o grande desenvolvimento da realidade virtual, corremos o risco de que as pessoas se tornem mais insensíveis, pois viverão no limite entre o que é real e o que é virtual. Veja só, em poucos anos será possível gerar imagens quase perfeitas de seres humanos por computador. Os clones pessoais, pequenas máquinas programadas para tomar pequenas decisões, poderão gerar uma imagem sua por telefone e conversar com o interlocutor, sem que você esteja lá. Então, não será possível saber se é a máquina ou a pessoa quem fala. E mais, a realidade virtual também proporcionará sentir as imagens produzidas, apalpar, dar um abraço num amigo que está na Europa, por exemplo. Com isso, a tendência à insensibilidade é muito grande. Este é um perigo que corremos.

i-Coletiva: Sua posição é otimista ou pessimista em relação aos caminhos que a humanidade está seguindo?
João Antônio Zuffo: Eu vejo a Infoera com preocupação. É preciso alertar as pessoas de que o que vem por aí é uma transição muito forte, que geralmente é bastante dolorida. As transições nunca são suaves, mas também podem gerar grandes oportunidades. Acredito que, quando passar esta fase, a infoera poderá proporcionar um mundo melhor, mas tudo depende das pessoas.
Também pode ser que o mundo se divida em castas, como na Índia. Isso depende de como nós soubermos conduzir esse processo. As pessoas precisam ter consciência das mudanças para saber que caminho seguir. De qualquer forma, é uma mudança perigosa, pois mexe diretamente com os atuais esquemas de poder.

Última atualização: sábado, 2 abr 2011, 00:14