EAD entre a febre e a cautela
Fonte: http://www.icoletiva.com.br/secao.asp?tipo=entrevistas&id=11 (pesquisa realizada em março/2003)
EAD entre a febre e a cautela
José Manuel Moran
Beth Rondelli
Espanhol naturalizado brasileiro, nesta entrevista José Manuel Moran, professor da USP, da Universidade Bandeirante e da Faculdades Sumaré, fala sobre o atual universo da educação superior a distância no Brasil. E aconselha: “É importante aprender, ir com calma, antes de adquirir tecnologias caras ou contratar uma equipe grande, sem antes ter experiência. Há uma certa febre por fazer educação a distância, principalmente online. Isso é positivo, mas há muito amadorismo na forma de planejar as ações de EAD.”
Icoletiva: A partir das experiências institucionais que você tem acompanhado, por onde acha que uma universidade deva começar a desenvolver os seus projetos de EAD?
José Manuel Moran: Não existe um único caminho. Mas parece-me prudente começar convocando os professsores que já estão utilizando alguma tecnologia nas suas aulas e outros interessados para uma capacitação inicial sobre Educação a Distância, o que está sendo feito no Brasil, o que pode ser feito na instituição. Ofereceria depois um curso mais específico sobre planejamento e gerenciamento de cursos a distância. Começaria organizando algumas disciplinas a distância ou semipresenciais na graduação, dentro do espírito da portaria 2253 do MEC, a dos 20%, ou com alguns pequenos cursos de atualização. Com essa vivência a universidade pode começar a pensar em uma política de educação a distância de curto e médio prazo. É importante aprender, ir com calma, antes de adquirir tecnologias caras ou contratar uma equipe grande, sem antes ter experiência. Há uma certa febre por fazer educação a distância, principalmente online. Isso é positivo, mas há muito amadorismo na forma de planejar as ações de EAD.
Icoletiva: Quando o emprego das tecnologias contribui e quando pode atrapalhar o processo educacional?
José Manuel Moran: As tecnologias são meios que ampliam o que queremos. Se quisermos controlar, ampliam o controle. Se quisermos interagir, ampliam a interação. Elas ajudam quando há um bom projeto pedagógico, um professor ou equipe motivados e competentes e alunos participantes. As tecnologias atrapalham quando são supervalorizadas, quando se pensa mais na embalagem do que no conteúdo, quando o planejamento e a execução de um curso é inadequado, quando se busca baratear custos sem qualidade.
Icoletiva: Parece que estamos deixando uma fase de encantamento e partindo para mais realismo na EAD. Quais as ilusões que têm sido abandonadas e como se apresenta hoje o "caminho das pedras"?
José Manuel Moran: Com a LDB que reconheceu a Educação a Distância e com a Internet que criou formas baratas de comunicação a distância, muitas instituições se lançaram com sofreguidão, achando que era um mercado garantido, fácil e barato. Há um mercado importante que é o da capacitação dos professores em serviço que não possuem nível superior ou médio, que está na raiz da criação de tantos cursos de Pedagogia ou Normal Superior. Essa demanda é grande, mas de duração limitada. A criação de consórcios ou parcerias caminha com mais lentidão, por questões internas, de cultura e também de legislação, mas tendem a consolidar-se nestes próximos anos. Creio que o MEC desempenhou um papel importante em manter uma certa cautela na abertura de cursos de graduação, principalmente por parte de empresas ou instituições sem experiência em educação presencial. Reconheço a validade das críticas à burocratização dos processos de autorização, à demora na sua tramitação. Mas se a graduação tivesse sido deixada somente nas mãos do mercado, provavelmente agora teríamos muitos mais problemas com instituições que só visam o lucro, sem investir em qualidade. Hoje as instituições perceberam que Educação a Distância de qualidade é cara, principalmente na fase de implantação, e que temos poucas pessoas com experiência sólida na área. É positivo o aumento de mestrandos e doutorandos em EAD, as pesquisas sobre as experiências realizadas, que aparecem nos Congressos de EAD. Foi positiva também a portaria 2253 do MEC que trouxe para o presencial as metodologias de EAD e começou a quebrar a separação que há entre os núcleos de EAD e os outros departamentos.
Icoletiva: As políticas governamentais e a legislação em EAD no Brasil têm se harmonizado com os projetos que estão sendo desenvolvidos pelas universidades?
José Manuel Moran: De 1996 até agora tem havido avanços na legislação para regulamentar a EAD. Mas há muitas tensões e contradições legais, o que pode dar margem a questionamentos jurídicos. Um grupo de especialistas, do qual fiz parte, elaborou um documento apontando algumas saídas legais para as contradições e para atender às situações reais que estamos enfrentando. Esse documento acaba de ser publicado e está disponível neste site do saber coletivo (nr: para baixar o relatório, selecione a versão em Word ou a versão em PDF), mas ainda não se transformou em um instrumento legal. (nr: sobre a questão, veja a entrevista com Eduardo Machado)
Icoletiva: Você tem participado de algumas comissões de verificação para autorização de cursos a distância. É possível identificar um comportamento diverso das instituições públicas e das privadas em seus projetos de EAD?
José Manuel Moran: É difícil generalizar. O modelo predominante na graduação a distância foi implantado pela Universidade Federal do Mato Grosso, a primeira a ser reconhecida, e que assessora várias universidades públicas. A ênfase até agora se deu nos cursos de formação de professores. Algumas públicas estão caminhando com prudência, outras têm um apetite grande pela ampliação do mercado. Merece destaque a proposta do Cederj, do Rio de Janeiro, que, apesar de injunções políticas, está conseguindo unir as universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro e criar pólos regionais, em convênio com as prefeituras. Nas particulares, sinto uma pressão maior por resultados, principalmente as que investiram pesado em tecnologias de vídeo e teleconferência, com custos mensais bastante pesados.
Icoletiva: Você que tem, ao longo do tempo, tomado como campo de estudo as relações entre Comunicação e Educação, como explica o fato de que a maioria dos professores e pesquisadores da área de Comunicação tem explorado tão pouco as contribuições que podem trazer para a Educação? E em que a Comunicação pode, efetivamente, contribuir?
José Manuel Moran: A área da comunicação está muito voltada para o mercado (jornalístico, publicitário, televisivo, editorial...). Em algumas instituições como a Escola de Comunicações e Artes da USP tem havido mais preocupação com fazer a ponte com a educação. O grupo pioneiro foi o da Escola do Futuro, surgido na ECA e do qual fiz parte durante dez anos. O segundo foi o Núcleo de Comunicação e Educação, coordenado pelo Prof. Ismar e que está trazendo contribuições teóricas importantes para a área (a educomunicação). A contribuição mais importante é destacar as dimensões comunicacionais do processo de ensino-aprendizagem, que são muito mais amplas do que a utilização de tecnologias na educação. É importante para a educação a contribuição de comunicadores profissionais que façam a ponte entre a informação, a publicidade, os meios de comunicação e a multimídia com todas as dimensões da educação.
Icoletiva: Pode-se prever algum cenário futuro de desenvolvimento dos cursos superiores a distância no Brasil?
José Manuel Moran: Uma das direções é a flexibilização dos cursos presenciais, com muito mais disciplinas virtuais e o oferecimento de cursos que atendam em parte ao público local e também ao virtual. Sinto que haverá um desenvolvimento maior dos cursos de pós-graduação a distância, um campo bastante pouco incentivado pela CAPES até agora. Teremos mais mestrados, doutorados e cursos de especialização a distância. Algumas universidades avançarão na oferta de cursos corporativos. Teremos, a longo prazo, uma concentração de cursos de EAD em instituições de renome, de peso intelectual ou que encontrarem nichos de mercado pouco explorados. Poucas instituições terão uma dimensão nacional e no Mercosul. A maioria terá repercussão local, como complemento das atividades presenciais.