Aprender mais e melhor por meio da interação aluno-professor
Fonte: http://www.iuvb.edu.br/br/atualidades/entrevistas/marco_silva.htm (pesquisa realizada em março/2003)
Aprender mais e melhor por meio da
interação aluno-professor
Marco Silva
Doutor em Educação, explica como tornar uma sala de aula interativa e só acredita em ambientes virtuais de aprendizagem "arejados"
Marco Silva é sociólogo, doutor em educação, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Estácio de Sá (UNESA). Ministra o curso "Sala de Aula Interativa" no campus virtual iuvb.br. Nesta entrevista ele diz que ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção ou construção sobre as novas formas. Explica o conceito interatividade e sua aplicação para a expansão do conhecimento e criatividade do aluno e do próprio professor e também fala sobre educação e distância e ambientes virtuais de aprendizagem:
Por Nora Toledo
iuvb.br: Por que durante tantos anos o ensino brasileiro foi calcado em técnicas como a "memorização" e a "transmissão" de conhecimento, o que fatalmente sempre levou os alunos ao desinteresse, devido também à falta de conexão entre o que estudam e seu cotidiano diário? Por que deixamo-nos equivocar por tanto tempo?
Marco Silva: Memorização e transmissão são componentes do modelo tradicional de educação que prevalece ainda hoje nas escolas mundo afora, não só no Brasil. Há cinco mil anos a escola está baseada no falar-ditar do mestre e na repetição do que foi dito por ele. Paulo Freire, maior educador brasileiro, criticou intensamente esse modelo educacional. Ele dizia: a educação autêntica não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B. Com ele aprendi que ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção ou construção. No livro Sala de aula interativa faço a crítica do modelo tradicional de educação e proponho o conceito de interatividade como princípio comunicacional de uma nova sala de aula.
iuvb.br: Interatividade tornou-se uma palavra em voga ultimamente. O que é interatividade e por que acreditar que esse conceito pode significar melhor qualidade em educação?
Marco Silva: Interatividade não é apenas um novo modismo. O termo significa a comunicação que se faz entre emissão e recepção entendida como co-criação. Exprime a disponibilização consciente de um mais comunicacional presente na mensagem que desbanca a lógica unívoca da transmissão de A para B. Em síntese, significa superação do constrangimento da recepção passiva. Convido o professor a tomar a interatividade e com ela modificar seus métodos de ensinar baseados na memorização e transmissão. Na sala de aula interativa a aprendizagem se faz com a dialógica que associa emissão e recepção como pólos antagônicos e complementares na co-criação da comunicação e da aprendizagem.
iuvb.br: Atualmente vê-se que começam a ser discutidas as relações de reciprocidade na educação, o professor troca experiência com aluno, e não é mais um mero transmissor de informação. Discute-se também formas de ensino que façam o aluno "pensar". Quais são essas técnicas?
Marco Silva: Sim, há uma percepção crescente de que o professor precisa investir em relações de reciprocidade para construir conhecimento. O construtivismo ganhou enorme adesão destacando o papel central das interações como fundamento da aprendizagem. Suas diversas interpretações vêm mostrando que a aprendizagem é um processo de construção do discente que elabora os saberes graças e através das interações com outrem. O professor construtivista é aquele que cuida da aprendizagem suscitando a expressão e a confrontação dos estudantes a respeito de conteúdos de aprendizagem. De fato, o construtivismo significa um salto qualitativo em educação. No entanto, falta a ele um tratamento adequado da comunicação de modo que se permita efetivar as interações e a aprendizagem em lugar da transmissão e da memorização. Quero dizer que, mesmo adeptos do construtivismo, os professores podem permanecer apegados ao o modelo da transmissão que faz repetir e não pensar. Isto porque o construtivismo não desenvolveu uma atitude comunicacional que favoreça promover as interações e a aprendizagem. Falo de uma atitude comunicacional que não apenas atente para as interações, mas que também as promova de modo criativo. Essa atitude supõe técnicas específicas, mas antes de tudo requer a percepção crítica de uma mudança paradigmática em curso.
iuvb.br: Que mudança paradigmática é essa e o que ela tem a ver com o professor e com a educação?
Marco Silva: Convido o professor a reparar que o estudante aprendeu com o controle remoto da tv, com o joystick do videogame e agora aprende como o mouse, e que esse trajeto resulta em migração da recepção passiva para uma nova recepção que evita acompanhar argumentos lineares que não permitem a interferência e modificação. Trata-se então de emergência de uma atitude menos passiva diante da mensagem que vem exigir uma nova sala de aula capaz de educar em nosso tempo onde transmissão e "decoreba" estão fora de lugar. O professor precisa se dar conta de que o modelo da transmissão perde terreno quando emerge a valorização das interações e da interatividade. Ele pode verificar essa transição observando, por exemplo, a televisão. Hoje essa campeã das mídias de massa incomoda-se com a lógica da distribuição em massa e procura modificar seus programas incluindo estratégias que permitam reciprocidade com o público. O professor também pode incomodar-se construir novas estratégias para promover mais e melhores interações. Tanto a escola tradicional quanto a mídia clássica (rádio, cinema, impressos e tv) se sustentam no mesmo paradigma da transmissão. Assim, se em televisão pode-se romper com a mera transmissão, em educação o professor também pode modificar a ambiência comunicacional e de aprendizagem de sua sala de aula aprendendo inclusive com os programadores de tv mais ousados.
iuvb.br: O que exatamente o professor pode aprender com os programadores de tv, uma vez que essa mídia é basicamente transmissão?
Marco Silva: O professor poder aprender a promover interações com aqueles programadores de tv que vêm procurando desenvolver alternativas interativas em seus programas para enfrentar a concorrência da internet e atender o novo espectador menos passivo diante da emissão. Estes profissionais perceberam que a tela da tv é espaço plano de irradiação que permite mudar de canal, enquanto a tela do computador é espaço tridimensional que permite adentramento e manipulação dos conteúdos. Perceberam portanto que a tela da tv é para assistir e a tela do computador é para interagir. A partir daí repensam suas estratégias comunicacionais transitando da lógica da distribuição para a lógica da interatividade. Aprendem então que um programa interativo na tv deve permitir que os telespectadores definam o rumo que ele toma, que a passividade da tv significa perda progressiva de audiência, e que o espectador tende a permanecer ligado ou conectado se puder participar da programação. Tudo isso pode inspirar o professor em sala de aula na criação de uma ambiência favorável às interações e à aprendizagem criativa, participativa. E se ele pode aprender algo com programadores de tv, poderá aprender ainda mais com os programadores de computador.
iuvb.br: Que inspiração o professor pode encontrar nos programadores de computador para modificar qualitativamente sua prática docente?
Marco Silva: Chamo atenção para o designer de software, para o web design que não se contentam com a transmissão. Enquanto o professor se identifica com o locutor que atrai o aluno-receptor para um roteiro linear fechado em seu falar-ditar, o informata define uma rede labiríntica onde disponibiliza territórios abertos a navegações dispostos a manipulações da parte do usuário ou do internauta. No computador as janelas múltiplas, móveis, em rede, permitem ao usuário adentramento não seqüencial e manipulação fáceis. O informata trabalha em sintonia com a arquitetura hipertextual do computador que permite ao usuário fazer links ou transitar aleatoriamente por fotos, sons, filmes, textos, gráficos, etc., e ainda interferir em conteúdos. Assim ele vai além da lógica unívoca da mídia de massa democratizando a relação do usuário com a informação e gerando um ambiente conversacional que não se limita à lógica da distribuição. Ele parte do princípio que diante do computador o usuário ultrapassa da condição de espectador passivo para a condição de sujeito operativo, participativo, criativo. O professor pode encontrar inspiração nesse procedimento comunicacional e assim reinventar sua autoria em sala de aula.
iuvb.br: Como professores podem tornar uma sala de aula interativa?
Marco Silva: O professor propõe o conhecimento. Não o transmite. Não o oferece à distância para a recepção audiovisual ou "bancária" (sedentária, passiva), como criticava o educador Paulo Freire. Ele propõe a aprendizagem aos estudantes modelando os domínios do conhecimento como espaços abertos a criação. Por sua vez, os alunos podem construir seus próprios mapas e conduzir suas explorações. Os conteúdos de aprendizagem são disponibilizados como ponto de partida e não como ponto de chegada no processo de construção do conhecimento. Cada aluno é considerado sujeito participativo que se inscreve nos estados potenciais do conhecimento arquitetados pelo professor. Assim, não está mais reduzido a olhar, ouvir, copiar e prestar contas. Ele cria, modifica, constrói, aumenta e, assim torna-se criador e co-autor da aprendizagem. E quando ao professor, em sala de aula ele é mais que instrutor, treinador, guia ou facilitador. Ele é formulador de problemas, provocador de situações, arquiteto de percursos, mobilizador das inteligências múltiplas e coletivas na experiência do conhecimento.
iuvb.br: Como a Educação a Distância é incluída nessa nova forma de ensino-aprendizagem? E que aspectos a internet pode facilitar a interatividade no aprendizado?
Marco Silva: Na educação à distância via tv o perfil comunicacional da telessala ou da teleaula se mantém em grande parte centrado na lógica da distribuição, na transmissão massiva de informações ou conhecimentos. E via internet, os sites educacionais continuam estáticos, subutilizando a tela do computador, ainda centrados na transmissão de dados, desprovidos de mecanismos de interatividade, de criação coletiva, de aprendizagem construída. Como diz o pesquisador do MIT Paulo Blikstein, o paradigma permanece o mesmo do ensino tradicional. O professor é o responsável pela produção e pela transmissão do conhecimento. Mesmo os grupos de discussão, os e-mails, são, ainda, formas de interação muito pobres. Os cursos pela internet acabam considerando que as pessoas são recipientes de informação. A educação continua a ser, mesmo na tela do computador on-line, o que ela sempre foi: repetição burocrática ou transmissão de conteúdos empacotados. Se não muda o paradigma, a internet acaba servindo para reafirmar o que já se faz. Então é preciso não subutilizar a internet. Para além do site estático contendo pacotes de informação e de exercícios a serem assimilados e cumpridos, é preciso investir na construção de arejados ambientes virtuais de aprendizagem que disponibilizem ferramentas que permitam a participação e a colaboração dos aprendizes na construção da comunicação e do próprio conhecimento. Fórum, chat, mural, banco de dados abertos a manipulação e a intervenção livre e plural dos alunos e do professor que vai além do mero facilitador podem fazer a diferença.
Marco Silva
Sociólogo, doutor em educação
Professor da UERJ
www.saladeaulainterativa.pro.br
marco@msm.com.br