O fascínio de um mundo novo - A escola e o impacto de uma nova revolução: a Internet
Fonte: http://www.folhadirigida.com.br/professor2001/cadernos/
mundo_novo/92.html (pesquisa realizada em março/2003)
O fascínio de um mundo novo - A escola e o impacto de uma nova revolução: a Internet
FOLHA DIRIGIDA
O ingresso da internet no ambiente escolar, seus impactos e suas possibilidades ainda a serem exploradas pelos professores são os temas abordados neste debate especial
Em muito menos tempo do que se poderia imaginar, a Internet foi além dos chats chatos e dos forwards aéticos. Hoje é a principal fonte de pesquisa dos mais reverenciados centros de conhecimento do mundo e, embora ainda não tenha chegado diretamente às salas de aula, o estudante que sobrevive sem sua caótica presença fica a dever, pelo menos em quantidade de informação, àqueles cujos olhos e dedos já estão suficientemente "marombados" na busca de sites competentes ou transados.
Já não cabe mais discutir se ela é ou não é essencial às atividades humanas ligadas ao saber. Como tudo em tecnologia, as teorias sobre ela não vêm tendo tempo de patentear-se e, mesmo sem registro, a produção de conhecimento do fenômeno Internet vai avançando, se espalhando com a velocidade de um Pentium IV, e ficando obsoleta com a mesma pressa com que os MSX se despediram das repartições e das residências que freqüentaram.
O que se discute hoje é como fazê-la de fato produtiva. Como transformar horas de navegação em prazer e, também, num percurso menos inseguro em direção ao objeto que se procura. Nos meios acadêmicos, discute-se como transformá-la numa eficiente aliada do professor e num instrumento verdadeiramente democrático de acesso ao conhecimento. Estuda-se também como educar mestres grisalhos nesta semiótica do caos, para que eles possam compartilhar com seus alunos esta devoção e para que consigam, mais que ensiná-los, entendê-los.
Para falar sobre este tema que inquieta a todos que têm, hoje, uma existência ativa na escola ou fora dela, FOLHA DIRIGIDA convidou quatro educadores antenados nessa mídia que desabou sobre a civilização sem que, como diria o professor Edgar Flexa Ribeiro, "nenhuma literatura de ficção tivesse previsto".
FOLHA DIRIGIDA - Quais mudanças as tecnologias, em especial a Internet, imprimiram na educação? Ela ampliou os debates sobre o tema e democratizou, de fato, o acesso ao conhecimento?
Aparecida Lacerda - diretora de conteúdos da Escola 24 Horas
Aparecida Lacerda - Na verdade a gente tem hoje na escola um debate grande sobre o papel do professor, pois já se foi o tempo em que a informação era passada apenas por ele. Eu tenho uma gravura feita em 1900, na França, onde um pintor mostra o que imaginava sobre a escola do futuro. O conhecimento passava por uma máquina, onde o professor selecionava o conteúdo e este ia por fios e eletrodos para os alunos. Obviamente ele não imaginava que não precisaria mais do limite físico para você ter acesso à informação. Acho que o mais fantástico da Internet na escola é a possibilidade da comunicação sem fronteiras, da troca de experiência, do acesso a culturas diferentes e de colocar isso à disposição do professor. No Brasil ainda não democratizou, é um processo muito incipiente ainda, principalmente quando você pensa em escola pública, mas está provocando uma reflexão muito grande entre professores, pais e na escola.
Temos a Escola 24 Horas e vivenciamos isso. Outra grande mudança que a Internet possibilita é a participação efetiva da comunidade com o que se trabalha dentro da escola.
Luís Paulo Mendonça Brandão - chefe da subdivisão de graduação do IME (Instituto Militar de Engenharia)
Luís Paulo Mendonça - Se por acaso um cirurgião dormisse numa sala de cirurgia no início do século, quando acordasse ficaria espantado sem saber o que fazer. Já um professor, ia acordar, pegar o giz e continuar dando aula normalmente, porque tudo isso que nós falamos em termos de tecnologia em educação ainda não se passou para a sala de aula, o que se passou foi muito pouco. Eu posso falar que em termos de pesquisa científica a Internet já é uma realidade e uma ferramenta sem a qual nenhum pesquisador no mundo trabalha e funciona. Quando fiz a minha tese de doutorado separávamos no mínimo de três a seis meses para a pesquisa bibliográfica. Hoje eu acredito que com todas as ferramentas disponíveis na Internet, a gente pode fazer um levantamento em uma ou duas semanas, com muito mais profundidade e alcançando um número muito maior de artigos científicos.
Do ponto de vista educacional eu acho que é ainda é uma promessa. No Brasil eu conheço alguns experimentos que estão tendo excelentes resultados, mas ainda utilizando mais vídeo-conferência e outras tecnologias para fomentar educação a distância. Eu diria que em termos de universidade a gente também tem alguns experimentos interessantes como complementação à aula presencial. A PUC, na minha área de Engenharia, já tem alguns dispositivos interessantes; o IME está desenvolvendo uma ferramenta que será capaz de gerenciar cursos a distância tanto via Internet, como através de CD ROM e outros meios, porque isso é uma vocação natural do Exército, que é uma instituição que está espalhada no país inteiro.
Há certos cursos que temos que promover para oficiais do Amazonas e o custo disso é fantástico. A educação a distância é uma necessidade do Exército. Levantamos, por exemplo, que a promoção de um curso desse no Rio, o custo envolvido no curso paga todo o desenvolvimento de uma ferramenta que pode ser usada permanentemente pelas Forças Armadas, mas acho que a gente ainda está aprendendo. É uma ferramenta de manutenção muito barata e que nos auxilia a levar a educação para as áreas distantes a custos muito baixos. Temos que investir nisso, mas nesse momento ainda está elitizado.
Marco Antônio da Silva - professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Estácio de Sá
Marco Silva - Teoricamente a Internet significa uma revolução, sem dúvidas, nas comunicações e na educação. Mas na verdade existe muito mais otimismo do que modificação paradigmática. Sabemos que a escola sempre foi, como diz o Pierre Lèvy, o filósofo da web, baseada no falar-ditar do mestre. Quando se fala em curso a distância online, fica-se muito motivado com essa nova tecnologia, mas na verdade você não tem aí um salto qualitativo em termos de uma nova pedagogia. É preciso antes de mais nada, não apenas colocar Internet nas escolas, mas repensar a prática docente, a relação professor-aluno. Paulo Fereire já questionava, ainda continua de A para B ou de A sobre B e os cursos online continuam no mesmo esquema.
Um pesquisador do Ministério da Ciência e Tecnologia que deu recentemente uma entrevista em que dizia o seguinte: "Reproduz-se o mesmo paradigma do ensino tradicional em que se tem o professor responsável pela produção e pela transmissão do conhecimento". Mesmo em grupos de discussão, os e-mails ou até mesmo chats são ainda formas de interação muito pobres. O aluno continua na perspectiva da recepção dos conhecimentos pré-fabricados e respondendo a perguntinhas com suas respostinhas básicas. A educação continua a ser, mesmo com o aparato Internet, CD ROM etc, o que ela sempre foi, uma obrigação chata e burocrática. Se a gente não mudar esse paradigma, a Internet não significará maiores libertações, ousadias, maiores democratizações. Ela vai na verdade cristalizar um velho modelo que já está bastante caquético, então muito me preocupa essa história toda da utilização das novas tecnologias.
Na feira Educar, eu vi a exposição de uma sala de aula utilizando óculos 3D, o que é fascinante, pois você pode entrar dentro de uma pirâmide do Egito e ver a Cleópatra, você pode entrar em um dinossauro e olhar as costelinhas dele como se fosse o telhado de uma casa. É muito interessante, no entanto a professora distante dos alunos, recitando frases prontas, na perspectiva do velho falar-ditar do mestre já questionado por Paulo Freire, pelo Pierre Lèvy e outros teóricos. E os alunos com aqueles óculos nos olhos passeando mundo afora, mas sem participar, sem construir conhecimento. Temos aí já uma teorização bastante boa a respeito de como criar conhecimento. Temos o construtivismo lá com seus problemas, mas ele está aí vigoroso, mas na verdade eu vou insistir numa perspectiva que eu acho que a Internet é rica, mas a escola é pobre, que é o conceito de interatividade. Eu venho pesquisando este conceito há seis anos.
Lancei um livro chamado "Sala de aula interativa" e a idéia é a emissão e a recepção construindo juntas o conhecimento e a comunicação. Se a gente puder fazer isso na Internet será maravilhoso, o digital tem já isso embutido nele, a possibilidade de fazer e acontecer. Faça você mesmo é a filosofia da Internet. O trabalho colaborativo é fundamental na aprendizagem hoje em dia e cada vez mais se percebe isso. A Internet permite isso, você pode fazer um chat interessante, um grupo de discussões, fóruns, debates, aliás com Internet você abre um curso a distância dos bons, encontra lá um ambiente virtual de aprendizagem muito interessante.
Você tem um espaço para debate, um espaço para o aluno colocar sua produção, um espaço chamado, então, de ferramentas virtuais de aprendizagem. Ele clica um botão e abre um ambiente para conversar com os colegas, clica outro botão abre-se um outro ambiente para falar com o professor. O digital permite coisas maravilhosas e a Internet está aí para comprovar isso, mas nós estamos com os pés amarrados numa velha cama de ferro, pesada, que é essa tradição de 5 mil anos do falar-ditar do mestre.
Paulo Fernando Carneiro de Andrade - coordenandor central de Educação a Distância da PUC/RJ
Paulo Fernando Carneiro - Sem dúvidas a Internet representa um grande impacto na cultura contemporânea. Hoje nós temos possibilidade de acesso à informação que era impossível de se pensar há alguns anos, quando tínhamos que viajar para poder fazer uma pesquisa e complementar as leituras nas bibliotecas das grandes universidades da Europa e dos Estados Unidos. Hoje essas informações se colocam disponíveis em quantidade enorme via computador da sua casa. Não é preciso quase mais ter livros em casa para ter acesso à informação, embora isso continue imprescindível. Agora é preciso diferenciar a informação do conhecimento. Uma grande quantidade de informação não significa, necessariamente, uma grande quantidade de conhecimento, se é que se pode medir conhecimento dessa maneira.
Para transformar essa informação em conhecimento é preciso que eu possa me apropriar dessa informação, é preciso que eu possa organizar e assimilar essa informação e ter capacidade analítica. O que acontece é que nem sempre essa grande quantidade de informação disponível leva à formação, de fato, de uma capacidade analítica capaz de gerar conhecimento e isso se torna ainda mais preocupante quando nós vivemos a crise da cultura moderna iluminista, com a substituição, muitas vezes, do paradigma das idéias por uma outra cultura centrada na sensação, onde a sensação é o critério de verdade e à medida que esse número de informações disponível é alto e mais levado a provocar sensações, acaba reforçando essa cultura que favorece o efêmero.
Luís Paulo Mendonça - Realmente a Internet só vai ser efetiva no aprendizado se você tiver um trabalho em conjunto e hoje eu acho que é isso que a gente busca. Você tem que ter o trabalho do técnico que faz a ferramenta e desenvolve aquilo, o trabalho do pedagogo, porque esse conhecimento tem várias formas de ser transmitido e você tem que atingir um universo de pessoas com características e formas de aprender diferentes. A grande vantagem da Internet é que a pessoa tem a facilidade de aprender individualizada, na sala de aula o professor fala para a média dos alunos e na Internet você pode tentar disponibilizar a informação de diversas formas, de maneira a atingir a capacidade de diferentes alunos e isso é um ganho fenomenal. Só que tem que ser desenvolvido por educadores. Então eu acho que um trabalho nesta fase inicial é importante. Provavelmente hoje em dia já existam pedagogos informáticos, mas ainda acho que a gente tem que trabalhar o professor. Acho que só o professor absorvendo essa cultura e aprendendo a lidar com essa nova forma de transmitir conhecimento é que a gente vai ter um ganho real. Eu gostaria de manifestar também o meu receio pela simples substituição da aula presencial pela aula virtual. Na minha visão essa substituição pode se dar muito em cursos de extensão, quando a gente fala em educação continuada, pós-formatura formal.
Marco Silva - Eu relaciono a Internet com uma possibilidade muito interessante que é se educar para a cidadania, coisa que a escola não tem feito. Desde o século 18 que a educação, a escola, se diz um lugar privilegiado de formação do cidadão. Quem é o cidadão? Cidadão é o sujeito que participa, que se mobiliza diante da sua cidade, diante dos problemas da cidade, é o sujeito que sai da sua comodidade, arregaça as mangas e se envolve com os problemas da cidade. Isso significa participar e esse aprendizado da participação a escola não tem desenvolvido ao longo de sua história, lamentavelmente. Agora curiosamente a Internet por si só não vai preparar para isso, mas ela tem um dado curioso que é o dado da operatividade. Diante de uma tela de TV você fica sedentário, passivo, você só pode trocar de canal. Diante de um site você tem uma dimensão nova de participação, porque é tridimensional, o site tem uma terceira dimensão que seria exatamente a profundidade ou o aprofundamento que permite ao usuário adentramento e manipulação. Você vai clicando aqui e ali, vai adentrando e se perdendo no caótico dos links e isso vai supor do usuário essa atitude operativa de clicar, de fazer e de associar coisas, porque, como já foi dito, é um conjunto enorme de informações que exige do sujeito uma cognição fecunda, uma mente aberta, saltitante e bailarina. Essa educação sedentária-passiva que define a sala de aula clássica e que agora vem aí também definindo os cursos online, como já definiu a tele-sala, a sala de aula via televisão, encontra na Internet um salto qualitativo em termos de um novo paradigma comunicacional. Por isso eu digo que a Internet bem utilizada tem muito mais perspectivas e possibilidades de educar para a cidadania, porque ela vai exatamente instigar o sujeito operativo, o que não significa politização, mas o professor em cima dessa operatividade, dessa ação, dessa coisa de atitude criativa, ele pode investir em cidadania, em politização, sem dúvidas.
Aparecida Lacerda - Quando o professor vem solicitar material ou sessões de que ele gostaria, vem sempre nessa posição de educação bancária, do tipo eu quero depositar um conhecimento ou que legal o aluno pode agora retirar esse conhecimento de um outro lugar. Isso é muito pouco diante do que a Internet pode fazer, só que a própria forma da Internet subverte isso, ela provoca, porque se o professor desconsidera os recursos de interatividade, de multimídia, principalmente de hiperlink, hipertexto. Há os que não aceitam trabalhos pesquisados em Internet. Aí a gente tem um papel conformador de dizer para o professor que o problema não é a Internet, é o tipo de pesquisa e de trabalho que ele está fazendo em sala de aula. Mas já existem experiências muito ricas de professores que fazem projetos e que trocam com outros estados, que usam isso da Internet, de construir através da curiosidade do aluno, da pergunta que ele faz para outro aluno. A gente começa agora a ter professor querendo que o aluno da série mais velha responda à pergunta do aluno da série mais nova e isso está valorizando a produção que eles estão fazendo ali, e esse é o lado da Internet que mais me fascina, essa possibilidade de interação. Eu gostaria de citar o exemplo de uma professora que propôs aos seus alunos que cada um trouxesse um livro para estudar em sala de aula História do Brasil. Podia ser qualquer livro, desde que falasse sobre a História do Brasil. Tinha todos os livros. Um dia um aluno disse assim para ela: "Professora, que dia você vai usar seu livro?". Ela respondeu: "O meu eu uso todo dia, você não está usando o seu não?". Ainda existe essa coisa de o livro ser o do professor, o livro é um só, é capítulo por capítulo, hoje nós vamos estudar essa parte.
Paulo Fernando Carneiro - Eu gostaria de acentuar a necessidade de usar novos paradigmas quando se usa a Internet no ensino, principalmente no ensino a distância. De fato a primeira tentação que o professor tem é de pegar o seu conteúdo de ensino presencial, os seus textos, as suas notas de aula e colocar como se fosse uma pasta virtual na Internet. Eu acho que não há nada mais chato, de efeitos mais terríveis, do que essa justaposição dos conteúdos de aula presencial para a Internet. A gente lembra o meio e a mensagem. O ensino a distância via Internet exige toda uma nova maneira de construir curso, selecionar conteúdo. Uma grande novidade no ensino a distância via Internet é de fato permitir a interatividade e isso tem que ser estimulado ao máximo, porque ela permite apagar distâncias entre o ensino presencial e o ensino a distância pela interatividade. Agora também eu acho que tem um outro salto no sentido de que hoje já não se pode conceber uma simples oposição entre o ensino fundamental e o ensino a distância, como dois pólos opostos, pois se deve pensar isso como um contínuo, um quadrante com dois eixos, onde um eixo é o tempo e o outro é o espaço, com milhares de combinações possíveis entre ensino mais sincrônico e ensino onde eu possa estar mais ou menos presente, não mais simplesmente pensar numa alternativa ou presencial, ou a distância. Acredito que isso seja o futuro.
FOLHA DIRIGIDA - O tema desta pergunta já apareceu em algumas falas, mas achamos que vale a pena abordar melhor a questão do conhecimento mensurado. O poder de acesso à Internet é garantia de melhor ou apenas de maior volume de conhecimento? Os estudantes sabem processar o amplo leque de informações que a Internet coloca à sua disposição?
Luís Paulo Mendonça - A quantidade de informações que hoje se tem na Internet nunca foi imaginado que o homem seria capaz de reunir e ter acesso. Temos acesso a bibliotecas espalhadas pelo mundo inteiro, museus, sentado em casa você pode ter acesso a um número fantástico de informações. A questão da aquisição do conhecimento, a informação está disponível, eu acredito que saber buscar a informação, as pessoas no ensino superior, durante a formação, ela tem essa vertente, do ponto de vista da pesquisa científica eu acredito que o aluno realmente consegue buscar a informação de que ele tem necessidade e com uma facilidade incrível, mas se o aluno é capaz de processar essa informação corretamente vai da formação, ou da deformação que o aluno teve até chegar a esse nível. No IME nós recebemos os melhores alunos desse país em engenharia, nós temos ainda uma relação candidato vaga de 50 para uma, então a gente consegue ter um processo seletivo extremamente rigoroso, e lá os alunos são fantásticos. Já entram sabendo mais sobre Internet do que muitos professores, parece que nasceram junto com a Internet, mas eu acho que ainda existe uma certa perda de tempo, pois a Internet é tão fácil de você navegar que você se perde, ela causa dispersão. Nos Estados Unidos eles usam muito a Internet na escola, eu não conheci sala de aula que não tivesse pelo menos dois ou três computadores à disposição dos alunos e com efetiva utilização na escola e em casa. Qualquer trabalho que se tem lá é feito pela Internet, ao contrário do que foi relatado aqui. Isso na verdade enriquece bastante e de certa maneira cria no adolescente a necessidade de consciência analítica. Eles têm muitas informações e são obrigados a construir um texto, então eles têm que ler, entender e selecionar. Eu acho que esse é um aspecto positivo, embora haja esse problema da dispersão, mas eu acho que é natural. Do ponto de vista científico hoje a Internet causa uma agilidade fantástica. Hoje eu sento no meu computador e em dez minutos faço uma pesquisa bibliográfica.
Marco Silva - A juventude vem aprendendo com a estética da saturação, o clipe, a MTV, o excesso de imagens, de sons, o semiótico caótico, que é o sinal do nosso tempo pós-moderno, e a Internet é isso por excelência, é a caoticidade, é o hipertextual, é o rizomático, como dizem aí os teóricos, ou seja, a juventude já vem marombando a sua cognição, seus olhos, seus ouvidos dentro desse ambiente confusional. O problema é como criar conhecimento aí dentro. A escola não está preparada para trabalhar com isso, salvo um ou outro momento, ou ambiente, mas no geral estamos ainda na perspectiva do linear, do texto didático único, da fala do mestre, da sinopse no quadro, do macete para a prova, da coisa pronta. Então o aluno ao mesmo tempo em que vive fora da escola imerso nesse semiótico caótico, ele tem já o olho marombado para lidar com isso, ele sabe encontrar no meio de uma página cheia de dados e encontrar aquilo que ele quer. No entanto a escola, a sala de aula, o professor, por não estarem habituados a isso, aliás sabemos bem que a escola e o professor não se prepararam nem para lidar com a TV, quanto mais agora com a Internet, que é um recurso extremamente mais sofisticado do que a TV. Televisão é transmissão, Internet é interatividade, quando bem utilizada, quando o digital não é subutilizado. Os nossos cursos a distância via Internet continuam transmissão, mas quando bem utilizada ela pode criar articulações interessantes. A Internet permite isso de articular coisa com coisa, fazer conexões. A conectividade é um fundamento do digital, e aí criar novas articulações potenciais, permutabilidades, ou seja, o digital permite isso. A Internet quando bem utilizada permite isso, aliás já contém isso, é preciso que o professor prepare o seu aluno na perspectiva da educação e não no passeio do semiótico caótico, que isso ele faz por ele mesmo. Como então dentro desse ambiente confusional aprender a produzir conhecimento, aprender a separar joio do trigo? A Internet tem uma quantidade de coisas loucas que não estão no gibi, que só estão na Internet. Então é preciso que o professor, que lamentavelmente não está preparado para isso, com resistências inclusive às novas tecnologias, tinha resistência à TV que é aquela coisa tão simplória e humilde, agora então com a Internet ele treme nas bases. É preciso aprender essa história, aí vem o problema da formação de professores. Eu trabalho numa universidade grande e sinto que lá nossos mestres e professores têm lá seus computadores em sala para seus usos pessoais, nas suas pesquisas, mas essa coisa ainda não se transformou em trabalho pedagógico. Se a universidade conhecida não tem esse desenvolvimento, quanto mais as escolas por aí afora. É urgente mexer nessa questão.
Paulo Fernando Carneiro - Quando nós pensamos em termos de conhecimento qualitativo e quantitativo, na quantidade de informações disponíveis na Internet, é algo inteiramente novo, desde as coisas mais banais. Por exemplo, você quer cozinhar, você entra na Internet e pega a receita, não só uma, mas dez versões de um prato. Faz um exame médico e quer interpretar, entre 20 e 30 informações sobre o exame médico que você fez, isso num âmbito mais banal de uma utilização, digamos, menos técnica da Internet. Para a pesquisa, as possibilidades são infinitas, a possibilidade de comunicação entre grupos de pesquisa espalhados no mundo dá-se de uma maneira que nunca se pensou no passado, mesmo para um aluno que está fazendo uma tese de mestrado e doutorado. Antigamente, uma fase essencial do seu trabablho inicial era o levantamento dos dados bibliográficos. A isso era atribuído um grande valor. Hoje esse leventamento é já suposto, porque ele em pouco tempo pode fazer esse levantamento e depois vai puxar, vai ler, então aquilo que era feito indo às bibliotecas, consultando fichários, tendo que viajar, hoje já se faz quase que imediato. Um médico hoje é capaz de trocar informações sobre um diagnóstico que tenha feito sobre um paciente com grupos médicos espalhados no mundo, desde que ele sinta necessidade disso e esteja integrado numa rede de pesquisa. Agora por outro lado, na Internet circula uma quantidade de informação qualitativamente muito diferente, bastante duvidosa, ao lado de informações sérias, profundas e necessárias. Como separar? Essa mistura de informações de qualidade maior ou menor na Internet é muito maior do que numa biblioteca, por exemplo, nós já tínhamos um certo discernimento para distinguir um livro verdadeiro de um falso pela editora, pela capa, pela impressão. Isso na Internet hoje é muito mais confuso, uma boa apresentação gráfica não significa um conteúdo de má qualidade, às vezes é até o contrário, o número de mitos urbanos que circulam na Internet, de produtos que causam câncer, são absolutamente falsas, mas que o fato de serem apresentadas pela Internet ganham um certo atestado de veracidade, então eu diria que a Internet é um meio fantástico que oferece um número fantástico de informações, mas que requer uma cautela muito grande. Há um outro aspecto que é a realidade virtual, mais cara inclusive. O conteúdo de interpretação contido vem sendo apresentado e com muito mais facilidade se confunde a interpretação com a própria realidade, uma visão, com a própria realidade, apagando diferenças ou construindo uma realidade virtual que não se reconhece como virtual e sim como uma realidade imediata, o que naturalmente acaba criando outros problemas na aquisição do conhecimento.
Marco Silva - Desculpe, só um adendo. Esse problema que acaba de se comentar aqui no caso dos óculos 3D, onde faz o aluno confundir a realidade com o virtual, de fato isso em sala de aula presencial também acontece, quando o professor simplifica conhecimentos, quando o professor explica a Revolução Francesa do jeito mais banal, simplório, superficial possível, levando o aluno a entender aquela explicação como a verdade. Então esse é um problema não só do digital/virtual, mas também do presencial.
Paulo Fernando Carneiro - Sem dúvida, é um problema já existente em qualquer nível quando você apresenta uma versão como se fosse o próprio fato, só que a diferença é que o impacto sensorial é muito maior, a possibilidade de se passar algo que é uma interpretação como a realidade ganha uma dimensão.
Aparecida Lacerda - Porque a eficiência do meio é maior.
Marco Silva - De um lado a eficiência do meio fazendo o aluno confundir o real com o virtual, de outro a autoridade do mestre, também impondo essa verdade e cobrando aquilo na prova.
Aparecida Lacerda - Se não mudar a forma como a escola se organiza, se os professores não entenderem que o papel deles é diferente, você não vai ter nenhuma tecnologia que vá salvar isso, ou que vá garantir um melhor conhecimento, uma melhor formação por si só. Em alguns casos ela pode ser pessimamente usada, pode potencializar esse erro absurdo de você definir o que é o conhecimento e o que é a informação e querer que o outro repita a bobagem que eu falei. Tem uma outra questão também que de uma certa forma a Internet é muito provocadora, porque o aluno não fica mais limitado naquele universo de conteúdo que o professor levava para a sala de aula como único. A Internet acaba favorecendo que esse aluno fique mais inquieto e que faça mais perguntas. A gente tem na Escola 24 Horas um serviço extremamente polêmico chamado professor web, que é um professor que fica 24 horas disponível e responde a perguntas de alunos. A primeira tentativa é buscar o que a escola dá. Eles querem a resposta pronta, querem que a gente resolva o dever e ainda pedem rapidez. O que a gente tem tido é um trabalho enorme não só de formar os professores que trabalham com a gente, mas também de formar os professores das escolas e os alunos para que essa seja uma possibilidade de você pensar junto, de construir junto, de pensar a Internet como uma ferramenta comum. Agora, depois de um ano e meio, eu acho que os professores estão começando a entender isso de uma forma melhor e a gente tem tido algumas experiências de um triângulo entre o professor que está na sala de aula, utilizando o professor que está de plantão como uma espécie de assistente. O estudante precisa de alguém que ajude a separar o joio do trigo, a selecionar o material e a gente sempre tenta voltar com uma pergunta, fazer que o aluno pense um pouco sobre aquilo que ele está vendo. Você tem um universo de informação fantástico, como eu vou utilizar isso, o que eu vou fazer com isso para que realmente eu tenha uma formação mais sólida, para que eu saiba discernir as informações? Como vou saber discernir as mentiras infinitas que têm na Internet. Acho que de qualquer forma ela pode possibilitar uma melhoria, pois ela permite que você vá um pouco sozinho, pois se você tem uma dúvida na cabeça você tem a possibilidade de entrar lá, pesquisar e andar um pouquinho mais. Mas acho que a gente tem que ter muito cuidado com essa coisa de que a Internet vai salvar, que ela tem tudo. Eu sempre imagino a escola principalmente até o ensino médio, sempre com o professor presencial, pois ele é o elo mais importante nessa história e a Internet é mais uma ferramenta que ele vai ter. Por isso a gente precisa urgententemente fazer um movimento de capacitação do professor. Como pedagoga, fiquei 20 anos discutindo se a TV fazia bem ou mal para a criança aí no fim a escola decidiu que a TV é o cinema, que só passa vídeo, nem filmar, a tecnologia de fazer um filme e mandar os meninos fazerem um trabalho, isso é muito pouco utilizado, então a expressão do aluno na escola é muito pouco considerada, por isso a Internet causa um impacto muito grande, porque quando ele entra na Internet ele tem possibilidades grandes de participação, de troca e ele começa a levar isso para a escola como uma exigência de pelo menos uma aula que tenha dois livros.
Luís Paulo Mendonça - Alguns experimentos que eu andei lendo falavam exatamente sobre a questão da forma de se expressar, pois têm muitos alunos com dificuldades em fazer perguntas em sala de aula, em participar, e a Internet tem sido um meio em que essas pessoas se tornam mais livres e têm uma participação mais efetiva favorecendo o crescimento. A Internet tem esse poder de ser um instrumento que pode ser usado de maneira individualizada e que pode ajudar, já que nós somos pessoas com personalidades diversas. Pode ajudar diversas pessoas a se manifestarem, então esse é um aspecto positivo de utilização dessa ferramenta de mídia na aplicação em escolas de ensino fundamental e médio, e que obteve muito sucesso, pois alunos, digamos assim, problemáticos, utilizando a ferramenta, foram se libertando, foram participando, porque tem uma quantidade de ferramentas: chat com colegas de turma, com o professor, grupos que tenham algum interesse próprio, então a pessoa que é introvertida consegue ir se permeando dentro do sistema e daqui a pouco ele está se expressando. Agora isso tudo tem que ser trabalhado, pois tudo isso começa com o professor. Temos uma professora que é uma cientista conhecida e que não bate um texto no word. Lê, mas não bate, tem que chamar a professora, então existe uma massa de pessoas que vêem nessa ferramenta quase que uma barreira intransponível.
Marco Silva - Ainda há pouco eu usei a expressão joio e trigo e eu gostaria de fazer uma ressalva. Tradicionalmente a escola, a igreja e o positivismo têm se pautado nas distinções claras e distintas das coisas todas, aquela coisa cartesiana do certo e do errado. Pode ser perigoso aquele professor muito metódico tentando separar joio do trigo, é preciso levar em conta o que o joio pode ter de trigo e o que o trigo pode ter de joio, que às vezes uma coisa banal, idiota e até pornográfica pode conter um link interessantíssimo para um aprendizado oportuno. Então cabe mais uma vez aí o papel de autoria do professor. O professor com um pensamento complexo, que não é aquele pensamento que fica separando o certo do errado de um jeito simplório, mas que estimula o aluno no meio desse caótico encontrar até em alguma coisa banal uma coisa que possa ser significativa.
Educadores destacam que internet facilita o acesso a um volume irrestrito de informação que, no entanto, deve ser trabalhada pelos professores de forma pedagógica
FOLHA DIRIGIDA - Enquanto a escola moderna estimula os estudantes a descobrirem as potencialidades da Internet, os pais ficam preocupados em deixar os filhos entregues ao acesso libertário que ela oferece. Como promover a comunhão entre as exigências do saber e a apreensão em decorrência das informações inadequadas?
Luís Paulo Mendonça: “A internet pode ajudar diversas pessoas a se manifestarem, então esse é um aspecto positivo de utilização dessa ferramenta de mídia na aplicação em escolas de ensino fundamental e médio”
Luís Paulo Mendonça - Eu diria que hoje em dia já existem ferramentas tanto de software, quanto de hardware que já podem fazer uma seleção, restringir o acesso. As escolas devem se utilizar dessas ferramentas disponíveis porque isso é uma questão cultural. Eu posso ser um pai mais liberal ou mais conservador, cada um tem um jeito de educar e a gente tem que respeitar o de todos, então eu acho que na escola a gente tem uma tendência a ser um pouco mais conservador para respeitar o posicionamento de cada família, porque obviamente essas coisas despertam interesse, é uma atração, qualquer criança vai ser atraída por sexo etc, pois isso chama a atenção de qualquer criança e qualquer adulto.
No entanto, o que eu queria colocar é isso, que já existem ferramentas disponíveis no mercado que você pode simplesmente restringir o acesso aos sites que de alguma forma você queira censurar. Eu acho que isso deve ser utilizado, porque de maneira elegante a gente restringe.
Paulo Fernando Carneiro - Acho que esta é uma questão bastante oportuna, pois de fato a Internet é um meio novo e como meio novo ele inaugura uma série de novas questões. Assim sendo, a gente não consegue lidar muito bem com elas. Na Internet há coisas muito boas, como possibilidades de fazer coisas muito ruins, mas são mais do que conhecidos todos os problemas envolvendo pedofilia e que se tem procurado de várias maneiras combater. Uma outra questão é o fato de a Internet muitas vezes admitir o falso, como nos sites de relacionamento onde sempre é suposto que a pessoa não fale a verdade sobre si mesmo, o homem vira mulher e vice-versa, e isso não é entendido como uma quebra de confiança na relação. Isso faz parte do jogo, quem entra ali sabe que isso faz parte. Não estou emitindo sobre isso um juízo de valor, mas apenas constatando que isso cria um problema para o aprendizado via Internet, pois em que medida esse meio não vem influenciado por regras que podem compreender o falso como sendo admissível. Joga-se também com a questão do lúdico. Agora outro aspecto que me parece mais sério é em que medida a Internet contribui para a formação de uma cultura do efêmero e da sensação como critério de verdade, uma forma de pós-modernidade. Claro que a pós-modernidade não se resume a isso, mas um certo tipo daquilo que alguns autores têm chamado de pós-modernidade, o que nesse caso ofereceria um certo beco sem saída. A Internet necessariamente, enquanto meio, contribui para isso, ou não? Eu acho que não, mas é uma das possibilidades que ela abre, contribuir para a formação desse tipo de cultura. Como fazer para que a Internet não nos conduza a isso? Acho que são questões bastante sérias e que vão para além da questão da má utilização da Internet no sentido de se acessar um site pornográfico, ou de se usar a Internet para fins criminosos.
Marco Silva - Eu acho que a questão mais importante dessa pergunta é a relação escola/comunidade e esse é um grande problema. É um outro debate. De qualquer modo, para atender a sua pergunta vou contar dois casos rápidos. Primeiro, uma aluna minha chegou chorando em sala de aula e a gente vai procurar saber depois de uma série de constrangimentos ela acaba contando que um belo dia era reunião de pais e mestres e ela estava na porta da escola recebendo os pais e encaminhando para as respectivas salas onde estariam as professoras de seus filhos. Chega uma mãe esbaforida, nervosa, agressiva, entrega o seu filho, a bolsa do filho para essa professora e diz: "Olha, eu não vou participar dessa reunião, isso é muito chato e não leva a lugar nenhum. Eu já sei o que a professora quer, ela quer saber alguma coisa sobre o perfil do meu filho e eu vou dizer três coisas. Se a sua escola resolver essas três coisas para mim já será suficiente: ele não sabe amarrar sapato, não sabe escovar dente e morde". Estou falando de uma criança de pré-escola, 5, 6 anos. Essa moça chegou chorando em sala porque ela diz: "Cada dia mais sobra para nós aquilo que não é para nós. Eu vim fazer um trabalho pedagógico, não vim ensinar criança a não morder".Claro que isso está no jogo do trabalho, mas às vezes isso prevalece, porque quem chega para nós cada vez mais, expressão usada por ela, é o pitboy.
Como educar o pitboy, se você não tem a assessoria, a coisa compartilhada com a família? Se a família de fato passa por um fiasco e isso resulta de fato em prejuízo para a escola, para o bom trabalho, é preciso que a escola busque mais do que nunca essa parceria com a família, estando tanto escola quanto família esfaceladas, não importa. É preciso buscar essa parceria, pois o professor sozinho não dá, porque ele faz alguma coisa que em casa é desfeita. Então não adianta nada você trabalhar cidadania, ética, valores etc. e em casa tudo isso é desfeito diante da TV vista de um modo semiótico caótico, da própria Internet ou do simples desinteresse dos pais em acompanhar. O outro caso que eu conto foi o de uma menina de 13 anos que perdeu o pai e, extremamente tristonha, melancólica, vai parar num site de bate-papo de suicidas anônimos. Onde ela encontrou isso? Certamente ela entrou num site de busca, digitou lá "suicida" e chegou lá. Isso é fácil, agora o problema é que os pais não têm a menor intimidade com a Internet para chegar ali e até descobrir o percurso que a garota fez, pois isso tudo fica ali registrado na memória do computador. Se a mãe estivesse atenta e pudesse rastrear esse caminhar da menina lá no virtual poderia chegar junto da garota, orientá-la e acompanhá-la. Os pais não tendo isso, a escola poderia ser um espaço de aprendizado para os pais. Eu acho que aqui seria uma bela preocupação para a escola também, além do velho problemão que é articular escola e comunidade, temos agora mais dois: escola, família, Internet e os desafios caóticos do nosso tempo.
Aparecida Lacerda: “o professor tem o compromisso social de estar formando novas gerações e pensando a sociedade; confio muito que a internet, pela própria forma como ela se constitui, acabará provocando essa mudança”
Aparecida Lacerda - Eu acho que essa questão de uma forma um pouco estranha tem muito a ver com aquela coisa que eu falei da pesquisa. Na verdade a pornografia, as questões morais, estão presentes, independentes da Internet ou não. Lógico que você tem que colocar que a escola tem um determinado conteúdo a ser trabalhado e você vai pôr filtro na máquina, embora não se consiga 100%, porque é só uma questão de palavra e cada dia mais os sites pornográficos põem palavras inocentes. Você vai procurar açúcar, doce, encontra pornografia. Eu acho que se a gente trabalha com Internet na escola tem que ter alguns cuidados, como você toma com outras diversas coisas na escola, para que o objetivo lá seja de se pesquisar, de se aprender.
Agora eu acho que negar isso na Internet é negar isso na vida, porque está em tudo que é lugar e pode ser uma excelente oportunidade para a escola trabalhar e ver se essas crianças estão. Outro dia a gente recebeu um e-mail de uma menina de 12 anos com umas 15 perguntas sexuais e que nos deixou muito preocupados, não com a questão moral de julgamento das perguntas, mas de como uma menina de 12 anos estava com aquele nível de curiosidade sobre a provável vivência que ela tinha tido. É fato que você tem que encaminhar isso para a escola, passar para a coordenação, para o orientador. Agora a gente tem que tomar muito cuidado, porque às vezes a escola só toma medida repressiva. É preciso abrir um espaço para que esta questão seja discutida. Essa questão de capacitar o pai também, porque o que você não conhece você teme muito mais. Faço muitas reuniões com pais para capacitação, então a fantasia que se tem é enorme, eles pensam que os chats vão roubar, raptar os filhos, é uma coisa sem limite, porque, como eu não entendo, vou até o infinito onde a minha imaginação permite. Então é importante eles entenderem o que é a Internet e deixar que essas questões apareçam na escola para serem discutidas, pois esse também é o papel da escola. O papel da escola não é ensinar o seu filho a amarrar o sapato, mas questionar porque seu filho está mordendo, pensar junto, esse é o papel da escola.
Paulo Fernando Carneiro - Eu acho que esse ponto coloca a questão de que hoje mais do que nunca é importante trabalhar a questão da dimensão ético-moral, muito mais do que qualquer filtro que se possa colocar. Esta discussão em pronfundidade é que pode evitar certas situações. No fundo a necessidade é, de fato, da formação e da discussão das questões ético-morais.
Luís Paulo Mendonça - O Estado deveria também participar disso. Nos Estados Unidos, por exemplo, censuram o que têm que censurar, tentam regular. No Brasil acho que o próprio Estado ainda está sem os rumos necessários na questão de regular a Internet, que, como qualquer outro meio de comunicação, tem que ter uma norma, tem que ser regulada. Aí você pode utilizar filtros com mais eficiência se o Estado assim obrigar o site. Esse é um aspecto importante e o Estado brasileiro tem que começar a se tornar mais tecnológico e observar essas coisas que no passado não existiam. Outro aspecto é que, de forma geral no Brasil, os pais não têm muita cultura, então o pai passa para a escola a obrigação que na verdade é dele. Quando eu voltei dos Estados Unidos vi a propaganda desse programa Amigos da Escola, mas eu acho que tem que ser mais que isso, a participação da comunidade na escola é extremamente importante e isso devia ser quase que uma condição. Aí sim, você pode estabelecer uma discussão de valores éticos e morais. Eu vou citar um exemplo interessante da minha experiência fora. Meus filhos estudavam em colégio privado, mas no primeiro ano eu não sabia de nada, como a coisa funcionava, e no final do ano o diretor me chamou e disse: "Olha, você não participou de nenhuma atividade comunitária aqui, vai ter que pagar mais 250 dólares". É que eu e minha esposa tínhamos que doar dez horas de trabalho comunitário para a escola. Até eu fiquei envergonhado e fui pintar a escola no final do ano. Fui dar o exemplo para o meu filho e no ano seguinte eu orientei trabalhos de ciências, fui júri da feira de ciências, a minha esposa fez a xerox. Lá eles têm orgulho, a integração é obrigatória, mas isso nasce com o povo. No Brasil é o contrário, o cara paga para a escola educar o filho dele e transfere uma responsabilidade que é dele para a escola. A escola pode e deve atuar nisso, só que de forma participativa.
FOLHA DIRIGIDA - A qualidade do trabalho de um profesor que ainda vê a Internet distante do dia-a-dia dele está comprometida? O professor pode abrir mão do uso da Internet, hoje?
Paulo Fernando Carneiro - Essa questão deve ter um tratamento diferenciado quando se pensa nas universidades e nas escolas de Ensino Médio. Na universidade todos os professores fazem uso da Internet para as suas pesquisas e, portanto, já têm familiaridade. No ambiente universitário pensar numa resistência por parte do professor com relação à Internet, não cabe. Ainda se encontra muitas vezes uma certa resistência com o ensino a distância, no fato de no passado algumas experiências de ensino a distância não terem sido boas. Por outro lado, o ensino a distância exige um investimento de horas de trabalho, pois não se pode só pegar o conteúdo da aula presencial e se jogar na Internet. Mas o professor às vezes não está disposto em investir tempo, tirando tempo de sua pesquisa para a constituição de novos conteúdos, em um novo formato, para assumir esses novos paradigmas. Em tudo isso ele vai encontrar resistências, algumas até compreensíveis, que é a do professor premido pela necessidade de publicar, que é uma necessidade inerente à vida acadêmica. Então de fato não tem tempo, ou não tem o incentivo necessário. Para outros, a resistência está mesmo ligada ao paradigma do professor, muito arraigado nessa tradição do ensino. Vendo a questão no plano das escolas, aqui nós temos às vezes um outro tipo de dificuldade, o próprio professor não tem possibilidade de acesso à Internet, não tem condições de ter os meios tecnológicos necessários para ele poder participar e aqui coloca-se uma outra questão, a de que a Internet abre novas possibilidades de comunicação, de acesso, de desenvolvimento regional de diferentes partes. Abre por outro lado também a possibilidade de se ampliarem as diferenças sociais de uma maneira antes impensável, ou seja, aqueles que podem, por suas condições econômicas, ter acesso à Internet, e aqueles que não podem. Hoje você pensar numa criança que desde o seu nascimento teve oportunidade de mexer no computador em casa e uma criança que não tem a possibilidade de conhecer o computador e que mesmo ele colocado em casa ela vai ter uso de um hora ao mês, você está colocando uma distância enorme que dificilmente será revertida ao longo da vida. se Então se começa a criar outros condicionamentos para a possibilidade de superação das diferenças sociais. Há uma necessidade de investimento social grande para que não se dê no futuro uma grande distância que não mais poderá ser revertida.
Marco Silva - Direito a abdicar do uso da Internet o professor tem, pois estamos na liberdade, na democracia, e a Internet é isso, mas é bom que ele não o faça. Na perspectiva da complexidade, ele precisa usar o rádio, a TV, o gibi, o jornal e a Internet. Se ele deixa de usar uma dessas tecnologias, o trabalho dele estará comprometendo-se. Claro que tivemos mestres fantásticos que não chegaram a usar a Internet, mas hoje em dia é necessário incorporar cada vez mais a tecnologia ao nosso trabalho docente e à nossa vida cultural. Mas temos aí alguns impedimentos: primeiro, o professor não tem estrada rodada no digital, raramente teve com relação às velhas tecnologias analógicas, inclusive essas que estão no mesmo paradigma que ele, da transmissão. Se nem com essas ele teve familiaridade, com uma outra muito mais complexa, digital e hipertextual, certamente ele terá dificuldades. Então é preciso que haja aí uma política de formação continuada desses professores. Sabemos que há aí da parte do Ministério de Ciência e Tecnologia todo um empenho centrado no Livro Verde, que é uma coisa que existe mundialmente, onde os países estão criando políticas de formação da sociedade, principalmente dos professores, dos profissionais com relação à utilização do digital. Nós aqui no Brasil lançamos essa questão do Livro Verde o ano passado e raramente se fala sobre isso. Na Uerj, onde leciono, que eu saiba houve um debate sobre isso. Parece que a coisa já nasce comprometida. Isso deveria ser amplamente divulgado nos meios de comunicação, nas escolas e universidades, pois significa capacitação do social para a utilização do digital, seja empresa, seja escola, seja na cultura. É fundamental que se use isso, mas não temos de fato essa coisa com maiores desdobramentos e isso vai comprometer o trabalho do professor, porque ele não se sente estimulado, seduzido, por esse tipo de trabalho. Além desse problema, o professor está acostumado com seu livrinho, suas fichas que ele já conhece e a Internet é por definição um amontoado de coisas. Por outro lado, as novas gerações, já com habilidade em relação a isso, têm aí uma série de constrangimentos, de impedimentos. Ele sempre esteve acostumado a ser o dono do saber, de repente ele se depara com um aluno que sabe mais do que ele, porque as novas gerações têm uma coisa que de fato é surpreendente, pois elas vêm do videogame, que é um salto qualitativo curioso, que às vezes a gente não se deu conta, que é a possibilidade de o sujeito movimentar uma imagem na tela, mesmo que o roteiro já esteja predefinido. Mas é uma reviravolta fantástica. Claro que a Internet, que aprende com o usuário, os games são cada vez mais fantásticos e já foi dito que se a inteligência artificial de fato se desenvolver, será nos games. Quer dizer, as novas gerações estão já familiarizadas com essa história e o professor não, isso intimida o professor. Estive agora pelo sertão da Bahia discutindo essa questão do digital e isso aparece claramente. Então temos esse desafio todo e temos também um outro problema: o professor está acostumado com o seu falar-ditar e a Internet vai estimular e exigir dele uma postura nova que seria aquela mesma que o designer de software ou o webdesigner faz. O que o professor clássico faz? Oferece um roteiro a seguir. O webdesigner bom oferece um leque, um labirinto, uma teia complexa de possibilidades de ir e vir. Do roteiro para a teia nós temos um salto enorme, é preciso não simplesmente saber manusear a Internet, mas saber lidar com o novo paradigma, essa talvez seja a coisa que mais compromete.
Aparecida Lacerda - Completando o que o Marco falou, acho que muitas vezes essa resistência da máquina, que é mais aparente, tenha talvez um quociente da dúvida se isso efetivamente contribui para o trabalho dele, se o aluno vai aprender mais etc. Fora todas as discussões conceituais, mesmo aquele professor que já tem uma postura completamente diferente sobre o antigo saber fechado, como a professora de que falei, que traz vários livros para a sala de aula, ela tem resistência quanto à Internet na escola, uma resistência ideológica de que isso é moda, que a Internet não agrega sozinha, que o aluno tem que estar pesquisando em outras fontes, porque também você fica endeusando algumas coisas.
Eu tenho percebido na caminhada da gente na escola que esse primeiro medo da tecnologia, que muitas vezes é confundido como receio, a cada ano ele é menor. Tudo bem que nós trabalhamos com professores da rede particular, é óbvio que é uma outra realidade, eu concordo com esse problema enorme que a gente vai ter aí de diferença de informação para quem tem e quem não tem acesso ao digital, mas isso cada ano é menor, cada ano o número de professores que tem computador é maior. Eu sempre faço palestra para professor e pergunto: "Qual de vocês têm e-mail?".Todo mundo tem. Aí eu pergunto: "Quem lida com isso sem a ajuda dos filhos?". Aí só 5% levantam a mão. Isso já é uma questão, que os professores ficam à vontade já que vai aprender com o filho. Com o aluno é mais difícil, pois o professor é o centro do poder, as pessoas ficam viradas para ele. Rubem Alves disse uma vez que se nuca de colega fosse fonte de saber, seríamos todos gênios, porque passamos treze anos sem poder olhar para o lado, olhando para a nuca do cara da frente. Então na sala de aula eu acho mais complicada essa relação pela mudança do poder que o professor tem com o conhecimento, não necessariamente com a tecnologia. Tanto que, quando ele tenta reproduzir e consegue na tecnologia o modelo dele, ele relaxa. Por isso que eu digo que não é só com a ferramenta em si, é muito mais com a mudança de paradigma, com o novo papel que a escola tem que ter, essa coisa de quebrar efetivamente os muros da sala de aula. A gente ouve muito em escola o seguinte: "Quando eu tranco a porta da sala de aula, a sala é minha". Você não pode mais trancar, então isso é uma mudança de paradigma muito profunda. É uma insegurança enorme. Imagina um cirurgião que vai fazer uma cirurgia e na hora ele não sabe quais ferramentas ele vai ter na frente. Mas vai ter que usar e usar certo. Acho que muitas questões envolvem isso, não acho que ele seja necessariamente um mau professor para a escola como vem sendo constituída hoje, pois conheço pessoas que têm resistência à informática e faz excelentes trabalhos na escola. Acho que ele tem o direito de se abster, mas enquanto professor que tem compromisso social de estar formando novas gerações e pensando a sociedade, acho que ele não tem direito. Mas não percebo as universidades formando professores preparados para isso, a carga horária de informática nos cursos de Pedagogia e o que se faz nas faculdades de Pedagogia com informática é muito ruim na maioria das vezes. Não conheço todas, mas trabalho com estagiários de pedagogia, então discuto muito sobre como eles estão vendo as coisas na faculdade e fico bastante preocupada. Confio muito que a Internet, pela própria forma como ela se constitui, acabará provocando essa mudança.
Luís Paulo Mendonça - Estou aqui com um trabalho do Poppovic que é interessante. Fala que pesquisas têm indicado que a atitude do professor em relação à tecnologia educacional pode ser distribuída numa curva normal: 7 a 10% são professores altamente motivados à incorporaçào de tecnologia; 15% são fóbicos com relação à tecnologia. Esses você não conquista. Então existe uma massa de 75% que são passíveis de serem trabalhados e que ele chama de "missionários". Seriam aqueles professores predispostos a usar a tecnologia. A mesma pesquisa mostra que o treinamento entre pares é o que apresenta melhor resultado, quer dizer: um professor passando o seu conhecimento para o outro é a melhor forma de você tentar quebrar o gelo e o medo. Outra coisa é a mudança de mentalidade. Para os professores se sentirem à vontade com computadores leva por volta de 6 a 7 anos, segundo a mesma pesquisa. Eu acho que a gente pode fazer por muito menos. A pesquisa diz mais, que o treinamento é fundamental e representa cerca de 40% dos custos reais, totais, para a instalação de um sistema informatizado. Esses números nós não devemos esquecer e temos que trabalhar em cima deles. Outro ponto muito interessante é quanto ao pró-info que planeja capacitar 25 mil professores num primeiro momento, quer dizer, é um trabalho muito ambicioso, mas o MEC está atacando o foco correto. Então eu queria dizer que é necessário investir bastante no treinamento do professor. Outro ponto importante é ter em mente que a formatura acabou, hoje isso é uma realidade, ninguém mais se forma, esse conceito de formatura está no passado, pois hoje os alunos que se formam em 5 anos terão a chance de se tornarem obsoletos, coisa que um profissional que se formava há 20 anos não experimentaria esta experiência tão rápido. Então aí entra um outro aspecto que aqui no Brasil a gente pratica muito pouco, que é a educação continuada para o professor, pois isso deveria ser uma prática. Como em qualquer grande empresa do mundo que está sempre treinando os seus funcionários e esses funcionários estão sempre incorporando tecnologias novas, isso deveria ocorrer com o professor. Mas nós, professores, somos formados há 20, 30 anos, e nunca fomos apresentados à Internet. Isso é obrigação do Estado, das universidades. O bem mais precioso da humanidade hoje é ciência e tecnologia, os americanos aprenderam e praticam isso, nós esquecemos e estamos deixando nas mãos deles. Nós formamos cientistas que não têm emprego nesse país, nós formamos menos da metade dos engenheiros que nós formávamos há dez anos e todos eram empregados. Hoje nós formamos metade e eles não têm emprego porque toda a tecnologia, as fábricas brasileiras estão vindo de fora, o que é outro aspecto da Internet. Com o advento da automatização da Internet, uma fábrica multinacional funciona com um contingente de técnicos muito reduzido, qualquer dúvida eles entram na Internet, na matriz, e tiram as dúvidas, então na verdade nós estamos aceitando a condição de robôs humanos. A gente tem que ser crítico com relação a isso e o governo é culpado, à medida que se omite. Educação é coisa muito séria e que não se pode omitir. A gente tem que tomar muito cuidado, porque as universidades espanholas e americanas estão querendo entrar nesse país para vender serviços e cursos desenvolvidos com custos amortizados, e vender barato. E aí nós vamos ficar sem concorrência aqui, pois não se tem como concorrer com essas universidades, elas vão simplesmente formar o aluno por ensino a distância e o cara vai tirar um diploma com o carimbo de Michigan. Com isso nós perdemos conhecimento e, principalmente, cultura e identidade nacional.
Aparecida Lacerda - Eu gostaria de esclarecer uma coisa que disse e que pode ficar mal explicada. Eu acho que o professor pode ser um bom professor sem utilizar a Internet na sala de aula, pois para ele, como profissional, isso realmente faz uma diferença enorme. Mas a Internet é fundamental para a qualidade profissional dele no que diz respeito à pesquisa.
Paulo Fernando Carneiro - Eu queria insistir que nós não podemos entender a Internet como simples instrumento ou ferramenta para o ensino pedagógico, porque isso remete a um paradigma ultrapassado e a toda uma visão tecnicista. Não se trata aqui de incorporar ou não uma ferramenta. A questão do uso da Internet para o conhecimento não pode ser reduzida ao uso da Internet na sala de aula, mas hoje dificilmente você pode conceber um profissional que atue na área do conhecimento que não interaja com a Internet. Então, nesse sentido, a Internet não é simples instrumento pedagógico, é um meio que nós temos de sempre interagir na busca do conhecimento. Acho que essa questão nem se coloca, se o professor tem ou não direito de se abster ao uso da Internet. Essa questão talvez só tivesse cabimento dentro de um paradigma muito tecnicista, mas não nos paradigmas atuais, nem no que representa a Internet hoje.
Tudo depende da capacitação do professor. dependendo do enfoque a ser adotado, a tecnologia pode representar uma ameaça ou uma aliada ao processo educacional
FOLHA DIRIGIDA - A Internet, com seus códigos de linguagem de origem definida, não estaria sendo um eficiente instrumento de aculturação no mundo contemporâneo? Ela veio para fortalecer ou para dizimar as identidades?
Paulo Fernando Carneiro: “ensino a distância compreende um leque tão diversificado, se por ensino a distância a gente entende a compra de pacotes fechados, produzidos sabe-se lá por quem e onde, para aplicar de uma maneira meio enganativa aqui”
Paulo Fernando Carneiro - A questão é muito complexa, porque há grandes paradoxos na Internet. Se de um lado ela pode ser vista por muitos como um instrumento de pasteurização da cultura, de outro lado ela é sem dúvida um grande instrumento de divulgação da cultura local, pois nunca se divulgaram tanto culturas locais, questões regionais, lutas particulares, quanto hoje pela Internet. Aqui nós podemos lembrar do México, das lutas da comunidade indígena, e que foi possível graças à utilização da Internet. Então a questão é muito complexa. Acho que não dá para dizer nem que a Internet seja um fator de homogeneização da cultura simplesmente, nem que ela não faça isso. Você tem uma questão que, de fato, através da Internet uma língua particular se tornou universal.
Hoje em dia quem não fala, lê e escreve no inglês da Internet, que é um inglês específico, fica perdido. No entanto, na época do nascimento do cristianismo existia uma língua franca no Mediterrâneo que era a coiné, digamos que essa forma de inglês de hoje é a coiné dos tempos modernos, essa linguagem franca que se tornou o inglês. Claro que isso suscita outras questões. Ela pode ser um instrumento de pasteurização da cultura, assim como estabelece uma grande oportunidade de afirmação da diferença e o descobrimento do outro. Isso é extremamente positivo e um grande valor da Internet. Aqui me referia a um outro problema, principalmente na área de ensino a distância, que é a sua utilização como forma de divulgação hegemônica de uma visão de mundo. Isso pode existir e de certa maneira o Brasil ficou um pouco preservado por causa da língua, o mercado tem produzido muito material, mas em inglês e espanhol. Também não é ruim que se ofereçam coisas de fora. Isso é extremamente positivo, o problema é quando isso entra com uma força de mercado em que abafa e esmaga a produção local. Na área de ensino a distância há uma atenção em torno disso, principalmente porque as coisas oferecidas são de baixa qualidade, que muitas vezes vêm com um selo que pode sugerir alta qualidade. Esse problema é real, mas eu não diria que ela é em si um elemento de aculturação, pois ela abre uma oportunidade enorme de descoberta da diversidade, de interação, de descoberta do mundo.
Luís Paulo Mendonça - Acho que no futuro a escola vai ter que assumir um papel não sei dizer se seria de mediador, de aguçamento do senso crítico dos alunos de discussão sobre Internet. Vai ter que ter uma disciplina na escola permanente onde as pessoas discutam exatamente esses temas, como utilizar bem as informações disponíveis, quais são as informações realmente úteis para a criança nas diversas etapas do seu desenvolvimento. Eu acho que isso vai existir, deve existir uma cadeira permanente na escola onde vai ser um fórum de discussão, então aí sim a gente vai poder criar um senso crítico e utilizar da melhor forma a Internet. No momento, como ainda não está regulado, dependendo da formação cultural e familiar da criança, dependendo da escola, da comunidade, ela pode utilizar muito mal ou muito bem. Se você acompanhar a história americana, há crianças que montam uma bomba dentro de casa com instruções da Internet. Teve até o fato de um adolescente que provou que poderia construir uma bomba atômica a partir de conhecimentos adquiridos na Internet e compras que ele poderia efetivar também na Internet. Esse exemplo é meio bombástico, mas representa realmente a real possibilidade de isso acontecer. Eu estou falando de uma coisa material, mas que tem em todos os níveis. A bomba atômica pode tomar várias conotações diferentes. Então eu acho que isso deve ser criado na escola e que no futuro será uma coisa comum, pelo menos para dar uma certa direção e senso crítico. A educação em termos de nível universitário desenvolve melhor essa questão do senso crítico, da cultura nacional etc. Eu acho uma pena se a gente perder a universidade brasileira por causa do custo, porque a universidade americana cria uma ferramenta de Internet e vende a milhares de pessoas. A empresa automobilística americana produz cerca de 13 milhões de carros, e o Brasil 1 milhão. Então o custo do automóvel tem que ser menor que aqui. Esse é o perigo quando você encontra universidades brasileiras oferecendo cursos com diplomas da universidade estrangeira. Na verdade, eles estão vendendo o quê? Eu não sei. Eles estão vendendo nível de qualidade, o que é que eles estão vendendo? Isso é um perigo, porque é uma maneira de dominação e nós temos que manter, como povo, a nossa cultura, senão a gente perde a nossa identidade. Então o governo deve ficar atento a isso porque na educação, o baixo custo, um dia pode significar custos altíssimos em termos do desenvolvimento de uma nação. Há áreas que têm que ser preservadas, como a educação e os meios de comunicação. Esses devem ter uma grande parcela do capital nacional, de interesses nacionais, pois assim é em qualquer lugar do mundo e a gente não pode cair nessa visão neoliberal, onde tudo o que importa é o custo e qualquer investimento é bem-vindo ao país.
Aparecida Lacerda - Eu acho que a Internet realmente expressa bem esse espírito de globalização, mas concordo que ela permite também a revelação do indivíduo e acho que a gente tem outras histórias de aculturação muito mais fortes. Por exemplo, o que a gente tem de cinema, de filme, de televisão, de TV a cabo, de transmissão de basquete americano, de golf, coisas assim que não têm nada a ver com a nossa cultura, só que com a diferença de que a televisão deixa você passivo, aquilo entra e pronto. Eu acho que a Internet está nesse contexto que tudo o mais está e mais uma vez essa discussão de ética, de cidadania, do que a gente faz com as coisas que estão à nossa frente, mais uma vez têm que passar pela escola. Eu me lembro de que quando eu trabalhava em escola tinha festa junina que tocava forró, mas os alunos queriam música axé. Não deixamos tocar, como também não deixamos ter haloween, e eles disseram que era autoritário. Os cursos de inglês começaram a fazer haloween e hoje 80% das escolas também fazem. Então não acho que a Internet vá ser a grande vilã dessa história. A escola também colabora muito nessa aculturação, à medida que admite rock em vez de forró da festa junina. Os jovens estão mais receptivos a partir do momento que acompanham seriados e modos de vida na TV a cabo. Eu falo que não é preciso morar nos Estados Unidos para saber do cotidiano, porque a gente sabe todo o menu do café da manhã ao jantar, como é a casa.
Marco Antônio da Silva: “há uma aculturação curiosa em que de agora para diante estaremos respirando uma nova tecnologia. Quem está por fora será o analfabeto digital. Então o caso é dizer que estamos produzindo o analfabeto digital”
Marco Silva - Eu fiquei aqui pensando na diferença entre massificação e aculturação, mas não cheguei a conclusão nenhuma, mas de qualquer modo a Internet não é meio de massificação, mídia de massa sim, o rádio, a televisão, o cinema, o jornal, o teatro, tudo isso é mídia de massa. O que caracteriza a mídia de massa? Um grupo de 10 pessoas produz a informação para um grupo de 1 milhão de pessoas e essas pessoas que estão do outro lado, que são os receptores, não têm ação, atitude, sobre a produção da informação. Então é massificação, é a recepção passiva, é uniformização, é pasteurização, quando o social reage usando meias cinzas se uma atriz usou uma meia cinza. Na Internet não existe isso.
Há uma confusão e aí entra a palavra aculturação, que talvez seja oportuna, que não tem nada a ver com massificação, que é quando o sujeito não é simplesmente vítima, pois ele também joga o jogo. No caso Internet eu diria o seguinte: se há alguma aculturação, nem seria exatamente a Internet, seria de fato o digital, quando o sujeito começa a se apropriar de uma linguagem icônica, ele clica ícones que vão direto a informações ou que expressam pensamentos. É a conversação em um chat onde você reduz o seu palavreado sofisticado e se comunica muito bem. Talvez aí haja uma aculturação, mas uma aculturação produzida pelo próprio social, pois é o próprio social que está produzindo esse tipo de comunicação, não é o digital. Então o social, com base no digital, está se acomodando. É como o índio que, de repente, gostou da câmera fotográfica e agora a está usando de um jeito político, filmando os madeireiros derrubando as árvores, quer dizer, não é simplesmente massificação, é aculturação. No caso do digital, você se apropriar daquilo que está sendo chamado de infosemiose, é tudo uma semiologia icônica da informática. É você lidar com o conhecimento em cima de símbolos rápidos, clicando e articulando coisas. Isso pode ser muito interessante, embora os literatos, os professores de comunicação e expressão estejam preocupados. Estão preocupados, mas não estão apresentando alternativas, ou argumentações interessantes no sentido de lidar com isso. Se a Internet está provocando uma aculturação, eu poderia ler aqui um trecho de um artista da web, que foi um dos precursores da web art, que é o Roy Ascott, que diz assim: "Na Internet nossa identidade não é mais fixa, não temos posição fixa, nem estrada fixa, somos telenômades constantemente em movimento entre diferentes pontos de vista, diferentes eus, diferentes modos de ver o mundo e de ver um ao outro. Nosso universo é um campo transformador de possibilidades não-linear e no qual todas as trajetórias são incertas". Talvez a Internet, se o caso de falar em uma aculturação que supõe uma certa ação do social, porque a idéia que a gente tem é que a tecnologia é causadora de uma transformação no social, mas é importante a gente ter um pensamento complexo a ponto de perceber que o social também transforma o tecnológico. Veja, por exemplo, o caso do windows. Bil Gates joga a versão beta para alguns e essas pessoas dão um retorno de como pode e como não pode ser. Então não é só o tecnológico que define o social, mas o social também imprime o seu dado social no tecnológico. Digamos que isso seja aculturação. De fato, isso está acontecendo com a Internet e eu considero isso interessante, pois a Internet está rompendo com um modelo chamado transmissão, ela está nos colocando agora diante dos paradigmas mais arrojados da Física, que é o do acaso, que é o que fala o Roy Ascott, o sujeito em uma sala de bate-papo pode experimentar mil personagens, pode ser jovem, velho, homem, mulher, que é o que faz o teatro quando coloca você diante de você mesmo, diante de um espelho, e proporciona ao sujeito ser aquela persona, sair da pasmaceira, criando uma complexidade interessante. Se tem uma aculturação, eu considero que é no bom sentido, no sentido de uma nova comunicação complexa, múltipla, diversa, que vai fazer que a gente saia daquelas velhas arrumações. Agora não é a Internet, o digital por si que vai transformar o homem nesse sentido, é preciso que haja o acompanhamento da educação sintonizada com isso, porque, por exemplo, o hacker é um cara que tem um bom raciocínio digital, como é o professor de Matemática, de Física. Ele tem um bom raciocínio naquele conteúdo, como é o literato, as tais inteligências múltiplas, eu considero o hacker como o cara que tem uma inteligência, que não foi considerada ainda pelo teórico das inteligências múltiplas, com uma inteligência digital, ele não é maior ou menor que ninguém, ele tem uma outra inteligência, e o curioso é que de repente o social inteiro tem a oportunidade de experimentar essa inteligência, que é muito interessante.
FOLHA DIRIGIDA - Quais as relações possíveis entre as tecnologias e a questão social? À medida que muitas famílias brasileiras não têm sequer uma linha telefônica que lhes permita se comunicar com os parentes, a Internet não estaria, ao contrário do que se preconiza, colaborando para aumentar as desigualdades sociais?
Marco Silva - Eu li uma estatística que eu fiquei pasmo: que 2% da população mundial nunca deram um telefonema. Encontrei isso na Folha de São Paulo, escrito por uma articulista da questão do digital bastante idônea. De qualquer modo, a Internet vem aumentar a exclusão? É e não é. Não é porque a exclusão já está dada, por isso eu lancei mão desta estatística. Por outo lado, é produzir uma exclusão sim, porque como estávamos dizendo há pouco, existe uma aculturação curiosa em que de agora para diante estaremos respirando uma nova tecnologia. Quem está por fora será o analfabeto digital. Então se o caso é dizer que estamos produzindo o analfabeto digital, aí sim há uma novidade, agora dizer simplesmente que estamos produzindo exclusão, é preciso ponderar porque a exclusão já está produzida.
Aparecida Lacerda - Existem uns quadros estatísticos de avanço da tecnologia que mostram que cada vez é menor a curva, ou seja, cada vez se gasta menos tempo para as coisas acontecerem. A exclusão já está estabelecida, no Brasil essa não será a questão, mas tenho percebido hoje iniciativas de prefeituras com a preocupação de garantir um ponto de Internet na cidade. Eu acho que a gente vai ter uma confirmação da exclusão que já existe e que o retorno de acesso e de possibilidades que essas pessoas vão ter vai ser muito mais produtivo e muito melhor do que a televisão, que é muito mais disseminada e que contribui muito menos do que poderia. Por tudo isso que a gente falou aqui, se tiver um ponto de acesso nessas cidades, elas vão mudar muito, os alunos da escola, única na cidade, vão ter acesso a coisas que até hoje eles não imaginam, pois, nesses lugares, se o professor não sabe, ninguém mais sabe. Então eu acho que a Internet é a confirmação da exclusão, obviamente, por conseqüência da distribuição de renda e do acesso aos meios, mas ela pode ser um canal de diminuição disso, na medida em que for disseminada um pouquinho, não precisa nem ser tanto.
Luís Paulo Mendonça - Inicialmente ela é um fator até de aumento dessa exclusão, mas isso em um momento inicial. Quando a gente olha o que aconteceu nos outros países, vemos que o acesso à Internet já foi bastante democratizado, a gente deve ver isso de uma maneira otimista e pensar que aqui isso também vai acontecer e o governo tem que se preocupar com isso, provendo meios para que a população tenha desenvolvimento cultural e científico-tecnológico. Porque o Brasil, como país que pretende se industrializar, se não for dessa forma, esse número de analfabetos tecnológicos estarão excluídos do mercado de trabalho, não terão mais possibilidades. Em um primeiro instante a Internet realmente ratifica a exclusão que já existe, mas é importante perceber que não foi ela quem criou. Acredito que essa é uma questão de política educacional.
Paulo Fernando Carneiro - Eu gostaria de reforçar a idéia de que em si não é a tecnologia o fator de exclusão social, mas sim a economia e as políticas sociais. Portanto, a reversão dessa situação de exclusão depende muito mais de uma ação de forças políticas que atuem nesse sentido, sobre a economia, relações sociais e culturais, do que a tecnologia. Não que ela seja neutra, mas ela não pode ser vista como responsável por esse processo. A questão também que se pode colocar é que a Internet hoje, para ser acessada, utiliza de meios que são caros, o que pode mudar no futuro e hoje já muda. Hoje, através de telefone celular você já tem acesso à Internet, a e-mails, mas majoritariamente o acesso se faz via computador, que ainda é um aparelho caro e que não parece que vai baratear. A questão é que a falta de acesso à Internet pode sim aumentar as diferenças sociais e aqui a gente pode fazer um paralelo com o acesso à escola, pois em um certo momento o acesso à escola não era decisivo para ter acesso à informação em uma cultura tradicional rural, o acesso às informações necessárias para a vida não dependiam da escola. Na cultura moderna e, sobretudo urbana, o acesso às informações necessárias para se viver passou a depender da escola e exclusão da escola passou a significar exclusão social. Hoje já está em um outro momento em que o simples acesso à escola já não é suficiente para garantir o acesso às informações necessárias, onde parte disso está disponível na Internet. Então, na medida em que o acesso à Internet é vetado a um número grande de pessoas, se produz a exclusão de informação necessária à própria vida. De fato, em um certo momento a Internet pode significar um fator a mais a serviço da exclusão social, mas em si é bom ter em mente que não é a tecnologia o fator de exclusão.
FOLHA DIRIGIDA - As tecnologias sedimentaram a educação não preesencial, a distância entre professores e alunos. Elas são uma ameaça à sobrevivência do professor como categoria ou vieram dar apoio e melhorar a qualidade de seu trabalho?
Aparecida Lacerda - Não é ameaça ao professor como categoria, porque eu entendo o papel do professor muito maior do que qualquer tecnologia. Hoje nós estamos discutindo sobre Internet; há 20 anos deve ter sido discutida a televisão, há 40 o rádio, eu acho que a função social do professor no desenvolvimento de uma sociedade não é substituída por nenhuma tecnologia. O que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos: alguns pais não estão matriculando os seus filhos nas escolas por discordarem do método de ensino das escolas públicas americanas, e como lá se o pai não matricular vai preso, então eles agora estão abrindo processos e ganham, garantindo que os filhos estão tendo ensino a distância. Eu não acho que isso seja uma tendência. O ser humano é interativo, as funções são diferentes, os momentos, não acho que vá ameaçar o trabalho dele, o que acho que vai ameaçar o trabalho do professor é a cegueira com relação ao momento em que ele está vivendo, é não entender que a escola tem determinados papéis e que ele tem que rever o que ele está fazendo lá dentro. Ele pode ficar obsoleto muito mais por não se colocar, do que porque a Internet pode substitui-lo ou não. Qualquer programa na Internet a ser feito para os alunos terá que ter o professor por trás para operacionalizá-lo. Então ele enquanto categoria é difícil que acabe, como também esse espaço da convivência principalmente na idade até o Ensino Médio.
Luís Paulo Mendonça - Eu diria que com essas modificações sociais e econômicas você está mexendo no mercado de trabalho, você está eliminando e construindo funções que antes não existiam por conta da tecnologia. A ferramenta do ensino a distância necessita não só do professor, como do pedagogo, do web designer. Na verdade, você cria outros empregos. Então se nós desenvolvermos nossas ferramentas, se nós trabalharmos, nós na verdade estaremos deslocando certa quantidade de mão-de-obra de uma atividade para outra atividade. Mas certamente vai ser um ganho positivo, pois nós estamos abrindo o campo de trabalho do professor, juntamente com outros colegas que são necessários para desenvolver ferramentas que tenham validade pedagógica no mundo moderno. O que muda muito hoje na questão do ensino a distância e de todo posicionamento com relação à Internet e aos novos meios de tecnologia digital é a posição do professor, que até pouco tempo atrás tinha a função de transmissor do conhecimento. Hoje a posição do professor passa a ser de facilitador de informações, além de transmissor do conhecimento. E isso o professor tem que aprender, tem que saber lidar. Na verdade, ele tem que apontar os caminhos. Hoje a informação está disponível, agora cabe ao professor saber onde estão e orientar os alunos. Com relação ao mercado de trabalho, acho que o ensino a distância deve ser usado e também como complementação da aula presencial. Por exemplo, para a formação continuada. A Internet cria um mercado que não havia e isso não é uma ameaça ao professor. Ele está se sentindo ameaçado por uma questão conjuntural, mas ele ainda vai aprender a lidar com isso.
Paulo Fernando Carneiro - Ensino a distância compreende um leque tão diversificado de coisas que torna difícil às vezes colocar uma questão desse tipo, se por ensino a distância a gente entende a compra de pacotes fechados, produzidos sabe-se lá por quem e onde, para aplicar de uma maneira meio enganativa aqui. Claro que isso se constitui uma ameaça ao professor, mas mais do que isso se constitui uma ameaça à própria produção de conhecimento e à aprendizagem. Se por ensino a distância a gente entende alguma coisa bem mais complexa, que utiliza os novos meios tecnológicos, onde nós produzimos conhecimento, onde se pode interagir com o aluno, onde, inclusive, se pode alcançar uma relação até mais pessoal entre professor e aluno, pois a Internet, se bem empregada, em vez de estabelecer uma distância aproxima o professor do aluno, permitindo um aprendizado muito menos massivo, mais personalizado. Então nós estamos falando em aumentar o campo de atividade do professor, inclusive saindo daquele trabalho monótono do repetidor, que produz uma aula em série. Produzindo não só mais uma posição presencial ou distante, mas presencial e distante, quer dizer, alguma coisa que te põe em ações múltiplas, inclusive possibilitando uma explosão criativa do professor. Nesse sentido, o ensino a distância é uma esperança para o professor.
Marco Silva - Se você pensa nos potenciais do digital eu fico logo tentado a dizer que as novas tecnologias potencializam o trabalho do professor, porque permite interatividade, troca, multiplicidade, inclusive estou orientando uma dissertação de mestrado onde a aluna foi ao digital buscar seus fundamentos para dali inspirar a sala de aula tradicional. Ela foi buscar a virtualização que não é só do digital. Virtualizar é você criar possibilidades de interatividade, tempo real, cooperação, hipertexto. De fato, são fundamentos interessantes do digital que podem ser utilizados pela sala de aula infopobre. Agora existe uma outra coisa chamada robótica pedagógica que aparece antes do digital. São as técnicas, o ensino tecnicista, na verdade o professor vai colocar no centro do processo a tecnologia. Antes era o professor o centro do processo, com a escola nova passou a ser o aluno e depois com a história do ensino tecnicista passou a ser o tecnológico. Se a Internet, o digital, a televisão, é utilizada como a robótica pedagógica no sentido de passar a ser o centro do processo, eu acho que é ameaçar o trabalho do professor. Então vai depender de qual é o enfoque que você vai dar, como você vai fazer a utilização dessas tecnologias. Minha tendência é dizer que o digital potencializa, mas subutilizado ele ameaça, como a própria televisão. Eu uso TV apresentando vídeos do festival do minuto. É um festival que acontece em São Paulo, onde o videomaker tem que apresentar em um minuto uma grande idéia e eu já vi coisas espetaculares, extremamente oportunas, para o meu trabalho em sala de aula. Isso potencializa, você joga um vídeo daquele e convoca o aluno a criar em cima daquilo e até fazer um vídeo paralelo para articular coisas em cima daquilo, ou seja, é potencializar o trabalho. Agora utilizado como se vê por aí, quando o professor falta, bota um vídeo para o aluno ver e ficar sedentário matando o tempo, diante de um filme qualquer enlatado, é ameaçador. Eu discordo da palavra facilitador que apareceu aqui, mas acho que não é o momento de a gente fazer um debate sobre isso. Essa palavra tem sido muito utilizada em ensino a distância, como também tem sido utilizada professor-tutor, são duas expressões comprometedoras. O que é o professor-tutor? Quem é o tutor? É o adulto que leva o infante pela mão. Aí você já tem um problema. Quem é o facilitador? Eu me lembro assim à primeira vista como aquele que espetaculariza a sala de aula, oferece macetes, que linka coisas ágeis e fáceis e a tarefa do professor não é bem essa. Eu fiz uma série de levantamentos com vários professores para a gente peneirar, limpar esse terreno e fiquei muito feliz com algumas frases definidoras do bom papel do professor. "Ele disponibiliza possibilidades de múltiplas experimentações" - é a função da Internet, o professor pode aprender com ela a fazer isso, se a Internet funciona nessa perspectiva, o professor pode aprender com ela, aliás o professor pode aprender com a Internet aquilo que ele não aprendeu com Paulo Freire, que é a participação; o que Paulo Freire falava era que educação não se faz de A para B, nem de A sobre B, mas de A com B e a Internet permite isso. Outra expressão bacana que apareceu sobre quem é o professor: "É aquele que disponibiliza uma montagem de conexões em rede" - coisa da teia, ele vai ensinar história do Brasil, ele não vai só em uma base de dados, em um livro didático, ele convoca o aluno a ver o filme Xica da Silva, a ver a letra do Caetano e Gil O Haiti é Aqui, a ler um poema do Castro Alves, ele coloca o aluno em teia, em rede, ele foge de um conceito tradicional entendido como conhecimento, que é aquela coisa estagnada, fechada. Na Internet o social tem a possibilidade de entender o conhecimento como alguma coisa viva e aí de fato você vai dar de cara com o conhecimento em seu sentido mais legal, que é alguma coisa provisória, que você produziu com base em articulações daquele momento. Outra expressão definidora do professor que eu gostei muito: "Formulador de problemas, provocador de situações, arquiteto de percursos" - o que vai coincidir com aquilo que faz o webdesigner, o mobilizador da experiência do conhecimento. Mas a gente ouve mestres, como Gilberto Dimenstein, por aí dizendo coisas do tipo "o professor é um conselheiro, um administrador da curiosidade da criança". E são pessoas que têm uma fala que vai para os quatro cantos. É preciso chamar a atenção desses mestres que têm ampla divulgação na mídia para essa questão: guia, facilitador, administrador da curiosidade, é pouco. Outra professora da USP disse: "parceiro, orientador". É pouco. Eu quero dizer que se o professor vai usar a tecnologia com um ponto de vista, ela vai ameaçar o seu trabalho; mas se ele tem um outro ponto de vista, ela vai potencializar. Então não é a tecnologia em si, é a postura política do mestre.