Entrevista sobre a escola no futuro

Andrea Cecilia Ramal
Pesquisadora do Centro Pedagógico Pedro Arrupe
Autora de Histórias de Gente que Ensina e Aprende
Doutora em Educação - PUC-RJ
Diretora da Instructional Design.

Conect@: O seu artigo é futurista; você imaginou um ambiente de estudo e pesquisa (a escola) no ano de 2069. Vamos continuar nessa perspectiva futurista, dando asas à imaginação. Em sua opinião, que tipo de formação deverá ter esse professor do futuro?

Andrea: Creio que deverá ser uma formação bem mais ampla e, principalmente, sem fronteiras pré-estabelecidas. Nós queremos derrubar as grades curriculares da escola, mas esquecemos que o professor já chega "entrincheirado" da universidade, que divide os saberes em "departamentos". O professor do futuro precisará ter uma cabeça diferente, capaz de integrar as coisas. Além disso, terá que ser uma formação mais voltada para o emocional, o afetivo, para que ele possa transformar a escola num lugar em que a cognição não ocorra apenas em função de categorias racionalistas. Isso combinou bem com a época do Iluminismo, mas hoje já não corresponde à expectativas do homem e da mulher modernos, que têm consciência da necessidade de integrar razão e emoção para viver e, portanto, também para aprender.

Conect@: Como seriam os currículos? Haverá um núcleo comum, ou serão inteiramente abertos?

Andrea: As duas coisas: um núcleo comum aberto, isto é, diversos "nós" de redes que se interconectam de acordo com muitas variáveis, como necessidade, pertinência, desejo do aluno, interesse, contexto... Se hoje em dia já não é fácil falar de currículo único no Brasil, dada a nossa diversidade cultural, quanto mais com a conexão à Internet, a partir da qual as fronteiras se reduzem e não há limites para o que é possível aprender. De qualquer forma, os núcleos comuns, na minha opinião, deverão ser estabelecidos em função de valores, e não de informações.

Conect@: Os aprendizes seriam agrupados somente pelos interesses pessoais. Como ficaria a faixa etária? Seria desprezada?

Andrea: Não exatamente desprezada, mas menos valorizada. Hoje em dia a faixa etária é o principal critério para reunir grupos na escola. Acredito mais em outros, como afinidades, eixos de interesse, ou mesmo em função de dinâmicas de integração e produção coletiva que o professor queira implantar. Em muitas escolas de hoje, saber "em qual turma vou ficar" é uma expectativa assustadora para o aluno. Ele sabe que está condenado a estudar sempre com o mesmo grupo, sob a orientação dos mesmos professores, pelo resto do ano. E se ele preferisse mudar? Essa mobilidade é possível na vida, por que não na escola? Na escola do futuro, os conceitos de sala de aula e de turma serão menos rígidos e haverá mais deslocamentos, mais flexibilidade.

Conect@: Como seria o espaço físico dessa "escola"?

Andrea: Precisaremos de arquitetos e engenheiros com sensibilidade pedagógica para criá-la. Aí está um bom desafio: integrar arquitetura e pedagogia. Vocês já perceberam como elas estiveram distanciadas na história? Quais são os profissionais que leram as teorias pedagógicas modernas antes de projetar uma sala de aula? Vivi essa experiência quando fui convidada a criar o anteprojeto de uma escola inovadora; escrevi o texto, e os arquitetos trabalharam por seu lado. Quando vi o projeto, era impossível aprovar: as salas de aula previam um quadro-negro na frente, cadeiras enfileiradas... Troquei por mesas ovais de trabalho conjunto, almofadas nas bibliotecas (que se tornaram salas de leitura) e outras coisas mais confortáveis e divertidas. Mas arquitetos com sensibilidade pedagógica teriam idéias ainda mais interessantes.

Conect@: A EaD será possível em todos os "níveis de escolaridade"?

Andrea: Penso que não. Trabalho também com educação popular, no Curso Noturno do Colégio Santo Inácio (RJ), e percebo como é difícil, para adultos que nunca escreveram, até segurar num lápis pela primeira vez. A dependência do professor é quase motora, no início o professor "guia" a mão dos alunos para que escrevam. Assim, creio que apenas depois de uma certa escolaridade básica é possível aprender via computador. Além disso, não temos ainda teorias cognitivas para orientar uma alfabetização on line.

Conect@: Por isso você fala da necessidade da psicologia e da ecologia cognitivas na formação do professor?

Andrea: Exatamente. Nossos referenciais teóricos para saber como o aluno aprende vêm de uma época em que não havia computador. É possível falar dos mesmos estágios mentais do construtivismo de Piaget no caso de uma criança que já brinca no computador antes de se alfabetizar? Precisamos de novas pesquisas que digam como o aluno de hoje pensa, como ele constrói o saber. E precisamos de teóricos de "ecologia cognitiva", ciência que Pierre Lévy ajuda a fundar, estudando a interação entre as pessoas, as máquinas e o conhecimento.

Conect@: Qual seria a função do ensino presencial? E o ensino a distância? Que papel caberia a cada um deles?

Andrea: O ensino presencial se tornará o momento da orientação de estudos, da busca de novos rumos para as pesquisas dos estudantes, do cultivo de amizades e parcerias, da construção da "inteligência coletiva" que se constrói e se desenvolve ao estudar em conjunto, formando redes de saber. O ensino à distância será uma parte da pesquisa, que terá que ser complementada pela leitura, pelo debate e pela interação.

Conect@: Como você acha que se determinariam as "etapas" escolares do futuro. Elas existiriam?

Andrea: As etapas existirão, mas serão mais relacionadas às competências e às habilidades do que aos conteúdos conceituais. Por exemplo, não será verificado, na passagem de uma etapa a outra, se o aluno distingue a diferença entre adjunto e complemento nominal, mas sim a sua capacidade de redigir com coerência e coesão utilizando as palavras da sua língua - ou, mais amplamente, sua consciência sobre a necessidade de fazer da linguagem um instrumento de valorização da cultura e de promoção do ser humano. Mas não creio que existirá "reprovação", e sim, novos trabalhos sobre competências específicas, enquanto se avança em outros pontos. Com menos traumas e mais prazer de aprender.

Conect@: Como ficariam os atualmente "excluídos" do processo educativo? Seriam eles incluídos no processo, ou haveria cada vez mais uma elitização no acesso à educação?

Andrea: Para mim, a exclusão tecnológica é momentânea: dentro de pouco, muito mais gente terá acesso à Internet, e será possível aprender a partir de cursos on line que funcionarão gratuitamente, como alguns provedores já funcionam. Mas não é possível pensar num poder messiânico da tecnologia: ela não vai resolver as diferenças sociais. Os conflitos e a exclusão que existem há anos no mundo real se repetem no discurso e nas práticas da virtualidade. Acabar com isso não é papel da tecnologia. Pensar assim seria o mesmo que dizer que a escrita é a responsável por acabar com os analfabetos. As distâncias e a exclusão social acabarão quando as políticas econômicas contemplarem os menos favorecidos, e possibilitarem uma real democratização de tudo: da saúde, da moradia, da terra e da tecnologia educacional.

Entrevista concedida por e-mail.
Agradecemos as perguntas enviadas por Fátima Adriano
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Última atualização: sábado, 2 abr 2011, 00:08